E-mails mostram desavenças e acusações entre empresas após geração de créditos de carbono suspeitos

MANAUS, AM (FOLHAPRESS) – Uma troca de e-mails reproduzida em relatório da PF (Polícia Federal) mostra desavenças e acusações entre os responsáveis pelas empresas que geraram R$ 180 milhões em créditos de carbono suspeitos, constituídos a partir de um suposto esquema de grilagem de terras públicas.

As desavenças ficaram evidentes -e registradas nos e-mails- após uma das empresas, a Carbonext, detectar e cobrar explicações sobre evidências de sobreposição de uma área tida como privada a uma gleba pública, de titularidade do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).

A detecção e o pedido de explicações foram feitos quase dois meses após a geração de créditos no projeto com a citada sobreposição. A PF considera a troca de e-mails uma evidência da grilagem, além de toda a documentação e perícias usadas nas investigações.

O empresário Ricardo Stoppe Júnior, um dos donos do grupo Ituxi e que se apresentava como dono da área, no sul do Amazonas, reagiu à cobrança feita e fez uma série de acusações contra a Carbonext. No e-mail, de 1º de setembro de 2022, Stoppe Júnior também fez acusações contra a petroleira Shell, que acabara de comprar uma parte da Carbonext.

Em nota, a Carbonext afirmou que acionou a Justiça para interromper o projeto, suspender a venda dos créditos e interromper o recebimento de valores.

A Shell, também em nota, disse que nunca utilizou ou comercializou os créditos gerados pelos projetos investigados pela PF.

A defesa de Stoppe Júnior não respondeu aos questionamentos da reportagem.

Entenda o caso

Ituxi e Carbonext eram parceiras e se uniram para a geração de créditos de carbono em três projetos distintos, gerando uma receita de R$ 180 milhões a partir da venda desses créditos a grandes empresas, incluídas multinacionais. O cálculo foi feito pela PF, que aponta a ocorrência de grilagem nos projetos.

O grupo Ituxi se colocava como dono das áreas de floresta amazônica. A Carbonext foi a empresa responsável pela elaboração e execução dos projetos dos créditos.

Um crédito de carbono equivale a uma tonelada de CO2 que deixa de ser emitida para a atmosfera em razão, por exemplo, de desmatamento que foi evitado. É vendido, então, a empresas que precisam compensar suas próprias emissões de gases de efeito estufa.

Stoppe Júnior é apontado pela PF como a principal liderança da suposta organização criminosa montada para grilar terras públicas, “esquentar” madeira e gerar créditos de carbono em cima da grilagem. O grupo foi alvo da operação Greenwashing, em 5 de junho, e movimentou R$ 1,6 bilhão, conforme a PF. Houve cinco prisões preventivas, entre elas do suposto líder do grupo.

Não houve prisões e buscas e apreensões relacionadas à Carbonext, empresa que “em princípio, não faria parte da Orcrim [organização criminosa]”, segundo o relatório da PF. As empresas que compraram os créditos –como Boeing, Gol, iFood, Toshiba, Itaú, Ecopetrol, Nestlé, Spotify e PwC- são tratadas pela polícia como vítimas.

Questionamentos e acusações

O primeiro e-mail citado no relatório da PF, referente às desavenças entre as duas parceiras, foi enviado pelo então diretor da Carbonext, Almir Sanches, em 10 de agosto de 2022. O destinatário foi um advogado, e Stoppe Júnior estava copiado no e-mail. Sanches pediu informações sobre uma “situação registral” detectada em relação a imóveis usados no projeto Evergreen.

Vinte dias depois, em 30 de agosto, um novo e-mail foi enviado por Sanches. “Caso o senhor já tenha tido acesso a algum documento que possa nos auxiliar no deslinde da potencial sobreposição, peço a gentileza de compartilhar conosco”, escreveu.

Na manhã de 1º de setembro, Stoppe Júnior escreveu um longo e-mail ao diretor da Carbonext. Fez acusações e proferiu ofensas na mensagem.

“Vocês deveriam estar preocupados em como vão responder perante a justiça o contrato que pegaram de mim da Shell”, afirmou no início do e-mail. “Agora tenho todas as provas e estarei ingressando na justiça contra esta empresa de fundo de quintal e a Shell, que se prevalece deste contrato guarda-chuva para pegar contrato de produtores.”

Stoppe Júnior prosseguiu: “Vocês não podem usar nenhum crédito dos projetos da Ituxi, Everygreen e Unitor para garantia de nenhum contrato de vocês, por isto não deixavam eu adiantar meus créditos, ainda bem q a fama de vocês está no esgoto, compram áreas péssimas, sem documentos ou invadidas, projetos q caíram tudo com o tempo.”

Os três projetos citados são os investigados pela PF, responsáveis por movimentar R$ 180 milhões com a venda dos créditos.

O empresário afirmou que tinha “todos os documentos federais, estaduais e municipais q comprovam q a área é minha”. “Estão criando esta situação pois deram os créditos da Everygreen como garantia da Shell (…), e quando a Shell entrou em contato com o desenvolvedor pegaram o contrato, como meus sócios nos projetos dizem, cambada de bandidos.”

Em resposta, o representante da Carbonext disse estar surpreso com a mensagem e afirmou desconhecer “qualquer contrato que porventura estivesse sendo negociado por você com a Shell”. Ele também negou que a empresa tenha pego contratos com a Shell e que créditos de carbono tenham sido dados como garantia. A relação com a petroleira foi societária, afirmou.

Em julho, mês anterior à troca de e-mails, a Carbonext anunciou que a Shell Brasil passou a ser sócia minoritária da empresa, com um aporte de US$ 40 milhões (cerca de R$ 200 milhões naquele momento).

Nem a Shell nem a Carbonext informaram qual a participação societária atual da petroleira no empreendimento. “Em 2022, a Shell adquiriu uma participação minoritária não controladora na Carbonext”, afirmaram as duas empresas, em notas.

Segundo a petroleira, a compra de parte da Carbonext não envolveu a aquisição de créditos de carbono. A empresa disse também que não tem contratos com Stoppe Júnior.

A Carbonext afirmou que, em 2020, ano de início do projeto Evergreen, o grupo Ituxi apresentou todos os documentos exigidos para comprovação de titularidade da área. A primeira safra de créditos foi certificada pela empresa internacional Verra em abril de 2022, conforme a Carbonext.

Uma “atualização da diligência” foi iniciada para “preparar a próxima safra anual”, afirmou a empresa na nota. Uma cópia de matrícula em cartório mostrava uma sobreposição ativa de uma gleba da União, disse.

Sem comprovação de que a área era privada, o caso foi judicializado pela Carbonext, e uma liminar paralisou o projeto por dez meses, afirmou a empresa. “O grupo Ituxi apresentou novos documentos. Em agosto de 2023, o Tribunal de Justiça de São Paulo cassou a liminar e ordenou que o projeto fosse retomado.”

Segundo a Carbonext, “as investigações da PF colocaram em xeque a titularidade das propriedades, não a geração dos créditos em si”.

Após a operação policial, a empresa afirmou ter rescindido os três contratos. Antes da detecção da sobreposição, o projeto Evergreen gerou R$ 11,9 milhões com venda de créditos de carbono, segundo a Carbonext. Somente esse projeto gerou receita de R$ 37,1 milhões, apontou a PF.

VINICIUS SASSINE / Folhapress

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