Primeira CEO da Nivea no Brasil diz que já abriu mão de promoção para ter filho

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS0 – A executiva Ana Bógus, 50, está reaprendendo o alemão, idioma com o qual teve contato na infância, quando estudava no colégio Visconde de Porto Seguro, em São Paulo, de tradição germânica. A língua será fundamental na nova etapa da carreira dessa administradora de empresas, que já ocupou posições de liderança na Nestlé, Kimberly-Clark, Rappi e Alpargatas/Havaianas.

Ana Bógus é a nova presidente no Brasil da alemã Beiersdorf Nivea, uma das maiores fabricantes globais de produtos de cuidados com a pele -o que envolve cremes faciais, corporais, desodorantes, sabonetes e protetores labiais. A executiva é a primeira mulher a assumir o cargo na filial brasileira, a maior do mundo para a Nivea, que só perde para o consumo alemão em faturamento.

Ela sucede dois executivos alemães que estiveram à frente da filial brasileira nos últimos 17 anos (Christian Götz e Nicolas Fischer). Seu maior desafio é manter a marca centenária -criada em 1911, lançada no Brasil em 1975- relevante para as novas gerações, que todos os dias descobrem lançamentos de cosméticos nas redes sociais, em um consumo impulsionado por influenciadoras da beleza.

O momento é estratégico: o Brasil voltou a ser o terceiro maior mercado da beleza do mundo em 2023, só atrás dos Estados Unidos e da China. Com isso, ultrapassou o Japão, que ocupara o terceiro lugar do pódio nos últimos nove anos.

O consumo brasileiro de cosméticos e produtos de higiene pessoal cresceu 13% no ano passado, mais do que a média mundial (9%), chegando a US$ 31 bilhões (R$ 173,2 bilhões), número equivalente ao PIB (Produto Interno Bruto) de Honduras, de acordo com a consultoria Euromonitor.

“A força da marca Nivea, presente em praticamente todos os países do mundo e dentro de quase dois terços dos lares no Brasil [63%], me fez brilhar os olhos”, diz a executiva à Folha, citando dados da Euromonitor.

A indústria, no entanto, só apareceu na vida da administradora de empresas depois de sete anos no mercado financeiro, uma experiência que a decepcionou. “É um setor muito machista”, diz ela, que passou por duas instituições adquiridas por grandes grupos -Bamerindus, pelo HSBC, e BankBoston, pelo Itaú.

“Mas o que mais me incomodou foi a competição acirrada: o bolo cresce e tem sempre alguém para roubar a fatia maior para si e deixar a menor para o outro. Vai contra o que eu penso, sempre fui uma pessoa de jogar junto.”

O “jogar junto” inclui determinar um tempo para construir a própria família: quando engravidou do filho único, Rafael, hoje com 12 anos, estava prestes a assumir o comando de uma filial no exterior da americana Kimberly-Clark, onde era diretora.

“Demorei muito para engravidar e, quando aconteceu, surgiu a oportunidade de eu assumir um país”, diz ela. “Pedi dois anos no Brasil para viver este momento que eu quis tanto. Só depois fui para o Chile, ser presidente da operação.”

No país andino, Ana Bógus promoveu um “turnaround” (reestruturação) dos negócios, para que a filial voltasse ao lucro em quatro anos. No período, houve transformações também na vida pessoal da executiva, que se separou do primeiro marido. De volta ao Brasil, assumiu a divisão de vendas corporativas da Kimberly, até que veio a proposta da startup colombiana de entregas Rappi para assumir a operação brasileira.

Ficou dois anos e meio e saiu. “Aprendi muito sobre toda essa agilidade de um negócio digital, algo que eu posso aplicar hoje aqui na Beiersdorf”, diz ela. “Mas eu era a mais velha de um time formado pela geração Z [nascidos entre 1995 e 2010]. Esse pessoal vem com um chip diferente do nosso, já nasceram digitais.”

Aceitou o convite da Alpargatas para assumir a marca Havaianas, primeiro no Brasil e depois na América Latina. Até que surgiu o chamado da Beiersdorf para cuidar das marcas da companhia no Brasil, Nivea e a pouco conhecida Eucerin, de dermocosméticos.

Eucerin é uma marca líder em alguns países da América Latina, mas aqui no Brasil não, onde está há dez anos”, diz Ana. “Estamos unificando as duas operações comerciais neste momento, vamos atender mais lojas com o mesmo número de pessoas.”

De acordo com a Euromonitor, os dermocosméticos são um filão de crescimento dentro do segmento de cremes para pele: responderam por vendas de R$ 3,3 bilhões em 2023, um salto de 74% sobre 2018.

No Brasil, a Eucerin concorre com nomes como Vichy, La Roche-Posay e Ceravé, todas da multinacional francesa L’Oréal. A Ceravé se tornou fenômeno nas redes sociais no último ano, com ativação de influencers e dermatologistas para comentar os benefícios da marca.

‘BRASILEIRO NÃO TEM O HÁBITO DE CUIDAR DA PELE DO ROSTO’

“O brasileiro gosta muito de novidade”, diz a analista da Euromonitor Mariana Teixeira. “Especialmente no mercado de beleza, o consumo cresce puxado por lançamentos, o que exige um ritmo mais intenso por parte da indústria, que precisa estar sempre inovando, e muitas vezes com o desafio de trazer algo que caiba no bolso do consumidor.”

No Brasil, a Beiersdorf Nivea mantém um laboratório de inovação em desodorantes. No mundo, a empresa investiu 320 milhões de euros (R$ 1,9 bilhão) em pesquisa e desenvolvimento de produtos em 2023.

“As categorias de desodorantes e sabonetes já estão muito penetradas, falta crescer mais em produtos para pele e protetor solar”, diz Ana. “O brasileiro não tem o hábito de cuidar da face.”

O mercado de cuidados com a pele em geral, que engloba cremes para rosto e corpo, movimenta R$ 19 bilhões ao ano no Brasil, segundo a Euromonitor. Apesar do tamanho, o país é o oitavo maior no ranking de “skin care” -bem abaixo de perfumes e desodorantes, por exemplo, nos quais o país ocupa a vice-liderança, só atrás dos EUA.

Segundo Teixeira, da Euromonitor, o consumidor hoje exige produtos para pele com diferencial. “Não basta um creme que hidrate, tem que oferecer tecnologia, um ‘firmador’ da pele, por exemplo”, diz.

Já a fórmula do creme hidratante apresentado na icônica latinha azul, que deu origem à Nivea, é a mesma desde o seu lançamento, em 1911. “Isso é uma prova de que a empresa consegue entregar um produto de qualidade a um preço acessível”, afirma Ana.

FÁBRICA CONTRATOU SURDOS E TREINOU EQUIPE EM LIBRAS

Apesar de ser a primeira mulher à frente da Nivea no país, ela diz que a diversidade de gênero não é um problema na filial brasileira. “Tanto na diretoria quanto no corpo funcional, as mulheres representam 63% do total”, diz Ana, revelando que o índice está acima da média mundial do grupo (55% dos funcionários e 50,1% da diretoria).

“Agora, nossa meta no curto prazo no Brasil é chegar a 30% de profissionais negros até o fim do ano que vem”, afirma a executiva. Hoje os negros representam 25%.

Ainda em diversidade, a executiva se emociona ao relatar o programa brasileiro “Care Beyond Voice”, que contratou oito deficientes auditivos como funcionários da fábrica em Itatiba (SP) no ano passado. O programa foi desenvolvido em parceria com o Instituto Phala e envolve o treinamento das equipes em língua de sinais para que elas interajam com os novos colaboradores.

“O grupo foi para a Alemanha conhecer o CEO [Vincent Warnery] e o Care Beyond Voice se tornou um exemplo a ser replicado em outras fábricas da Beiersdorf pelo mundo.”

RAIO-X BEIERSDORF NIVEA BRASIL

Fundação: 1975

Funcionários: 700

Fábrica: Itatiba (SP)

Faturamento*: 1,2 bilhão de euros (R$ 6,9 bilhões)

Principais concorrentes: Natura, Boticário, Unilever, Cimed, Ceravé

*América Latina em 2023

DANIELE MADUREIRA / Folhapress

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