RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Nas décadas de 1960 e 1970, os bares de Botafogo, no Rio de Janeiro, não recebiam muita gente de outras partes da cidade. Cariocas preferiam a noite de Copacabana.
Antes considerado bairro de passagem entre centro e zona sul, Botafogo vive fase de vida noturna agitada desde 2023, facilitado pela ampla oferta de transporte público, com linhas de ônibus e estação de metrô. Frequentadores, a maioria jovens, apelidaram a região de ‘BotaSoho’, uma brincadeira com o Soho, região boêmia de Nova York.
Nas ruas Fernandes Guimarães e Arnaldo Quintela uma fila de bares e restaurantes atravessam a noite abertos e lotados, com clientes escapando pelas calçadas. O movimento fez da Arnaldo Quintela a oitava rua mais ‘cool’ do mundo, segundo eleição da revista Time Out, em março.
Os donos de bares celebram a fama e ampliam a capacidade dos estabelecimentos. Os moradores antigos passam horas no telefone, em contato com agentes da prefeitura para reclamar de perturbação do sossego.
A boemia começa na praça Compositor Mauro Duarte, homenagem ao sambista e orgulhoso morador do bairro, morto em 1989. Pela manhã, a praça é calma. Moradores passeiam com cães e professores dão aulas particulares gratuitas para crianças. À noite, não há uma rua sem botequim aberto, e não há botequim vazio.
Pedro Aliperti, 45, abriu o Caverna, um bar de rock’n’roll, em 2014. O local era uma estrela solitária. A rua Arnaldo Quintela era abundante em oficinas mecânicas, não em bares.
O Caverna quebrou durante a pandemia e Aliperti abriu em 2023 o Culto Bar, num imóvel que já havia sido uma peixaria e uma loja de artigos náuticos. O sucesso foi tanto que ele precisou fechar por dois meses para obras de ampliação.
“Essa explosão da área, que tem menos de um ano, é legal pela diversidade. Tem bares de rock para pessoas com faixa etária de mais de 30 anos, como o meu. Tem bares para jovens que gostam de beber cerveja em pé na rua, bares que abraçam o público LGBTQIA+. O movimento alcança todos os espectros.”
Guilherme Bon de Macedo, 33, foi outro a apostar em Botafogo. Ele é dono do bar Botica, aberto em 2023, com espírito de botequim e cozinha brasileira.
“Eu tinha a ideia de fazer um bar de vinhos em São Paulo, mas decidi abrir negócio no Rio. Pesquisei durante um mês e ficou claro que Botafogo está pegando fogo culturalmente. Tem uma pegada de Soho”, afirma.
“Há um caldo de jovens. O público não segrega. Eles conseguem sentar num bar sem preocupação de julgamento com a roupa que está vestindo”.
Macedo é presidente de uma recém-criada associação de bares locais, criada para fazer a diplomacia entre os botequins e os moradores incomodados. A relação, ambos os lados admitem, não tem sido das melhores.
O advogado André Soares, 47, morador de Botafogo desde que nasceu, colocou o imóvel à venda. Segundo ele, a mudança do bairro ficou “insuportável”.
“Moramos em um prédio pequeno, familiar, sem porteiro e precisamos pedir licença para entrar no prédio. A gente abre o portão e dá de cara com as mesas e garrafas de cerveja.”
Soares afirma que os pedidos à prefeitura para fiscalizar calçadas ocupadas e perturbação do sossego não fazem efeito. Ele tentou mover ação na Justiça do Rio contra três bares da rua onde mora, mas não conseguiu avançar com o processo.
“A perturbação do sossego, a desordem e a ocupação das calçadas incomodam muito. O bairro era familiar, agora é um bairro boêmio e está insustentável.”
A secretaria municipal de Ordem Pública, responsável pelo ordenamento na cidade, diz que faz ações de cunho educativo e aplica multa por irregularidades. Segundo a pasta, 47 multas por perturbação do sossego foram aplicadas entre 2023 e 2024 em Botafogo, além de 71 autuações por ocupação de cadeiras na calçada. Quatro bares e restaurantes chegaram a ser fechados.
“A prática [de ocupar a calçada com mesas e cadeiras] é permitida, desde que tenha autorização do município e que se adeque aos limites concedidos por lei”, afirma a secretaria, em nota.
A subprefeitura da zona sul diz que “tem dialogado, tanto com lideranças dos moradores como com empresários da vizinhança, buscando melhorar o bom convívio”.
YURI EIRAS / Folhapress