MILÃO, ITÁLIA (FOLHAPRESS) – O primeiro restaurante aberto por Max Mariola, em Milão, norte da Itália, em janeiro, tem muito a ver com os vídeos de suas redes, que o transformaram em celebridade internacional de comida, com milhões de seguidores.
Várias das receitas e dos ingredientes estão ali presentes, o que garante a familiaridade com o cardápio. O clima meio chique, meio despojado, proporcionado pelo serviço simpático e pela música dance alta, lembra a descontração do chef. A decoração, cheia de plantas, é uma referência ao terraço do apartamento dele em Roma, onde são feitas algumas das gravações.
Tem também o próprio Mariola, que costuma circular pelo salão quase todas as noites, para preparar ele mesmo o espaguete à carbonara na frente do cliente -o que no menu é chamado de “showcooking”. Feito o pedido, ele chega com um carrinho com chama acesa e finaliza a receita sob os olhos da plateia.
Ou melhor, sob os telefones celulares. A audiência parece ser formada em grande parte por admiradores do chef, com câmeras sempre prontas para enquadrar os pratos.
Praticante da cozinha italiana feita com poucos e bons produtos, em receitas simples, e conhecido pelo tom pessoal que dá às gravações, às vezes falando da comida da mãe, às vezes cozinhando sem camisa, Mariola tem 2,8 milhões de seguidores no Instagram, além de outros tantos no YouTube e no Tik Tok. Natural, então, que parte desse público queira experimentar seus pratos.
“O restaurante nasceu porque queria materializar alguma coisa. Nas redes sociais, as pessoas te veem, mas não podem conversar com você”, disse Mariola à Folha. “Queria um lugar elegante, mas informal, em que uma pessoa pudesse se sentir à vontade mesmo de shorts e onde se pudesse comer coisas de qualidade.”
Localizado em Brera, bairro nobre que foi um dia ligado às artes, o restaurante -que leva o nome do chef- tem um menu enxuto que mistura clássicos italianos com invenções ligadas a ingredientes da estação. Em seis meses, já foram três atualizações no cardápio, mas o espaguete à carbonara é presença fixa e se tornou o prato mais pedido.
Entre os “primi”, a seção dedicada às massas e aos arrozes, há uma referência a uma das primeiras receitas executadas online pelo chef, em 2018, a “pasta alla gricia”. No restaurante, a preparação que leva bochecha de porco vem com rigatoni e polvo crocante.
Opção menos óbvia é o risoto cacio e pepe, fusão do clássico milanês com o molho tradicional romano. O grão estava firme, a cremosidade do pecorino com a pimenta estava na medida, e o toque de limão tira o prato da previsibilidade.
A lista de “secondi”, à base de peixes e carnes, parece menos surpreendente. Estão lá a cotoletta (empanado típico milanês), o stinco de vitela e um frango com molho do tipo tailandês. A escolha foi pelo filé de bacalhau com purê e manjericão, bastante leve. Na lista de sobremesas, difícil desviar do tiramissu, que também é montado à mesa pela equipe.
Com exceção do carbonara, que custa 30 (R$ 178), mas que inclui a finalização feita pelo chef, os preços do cardápio para o jantar não destoam do bairro. Os primeiros custam entre 18 (R$ 106,5) e 26 (R$ 154), e os segundos, entre 23 (R$ 136) e 60 (R$ 355).
“Não invento nada, faço o que já faziam os nossos avós, grandes pratos simples com poucos ingredientes. As pessoas gostam da comida italiana porque percebem logo o sabor, sem precisar se concentrar tanto”, diz Mariola. O chef se prepara para abrir uma segunda unidade em Milão, com pratos mais rápidos, do brunch até o “aperitivo”, o happy hour milanês.
Segundo ele, há uma ligação permanente entre o cardápio e o conteúdo das redes sociais, com as receitas disponíveis em vídeos e, por outro lado, a interação com os seguidores utilizada para definir o que entra e sai do menu.
A reportagem conheceu o restaurante, sem se identificar, no fim de maio e, semanas depois, entrevistou o chef ali mesmo. Na noite do jantar, Mariola não estava no salão, mas em Cannes, na França, onde recebeu o prêmio de melhor influencer de comida.
Mariola diz que uma surpresa foi a rápida chegada do público internacional. “Tem brasileiros quase todos os dias. Já teve um dia com 20 comendo aqui. A maior parte é de São Paulo, são muito amigáveis”, diz o chef, que esteve no Brasil uma vez, no anos 1990.
A composição do público é um efeito do que acontece nos canais online. Segundo Mariola, o Brasil representa o quarto maior país em número de seguidores no Instagram, com 4,4%, atrás de Itália (24%), Estados Unidos (15,8%) e Alemanha (5,9%).
Romano de 55 anos, Mariola conta que cresceu em uma família muito ligada ao hábito de comer bem e cozinhar. O pai pescava polvo e fazia vinho; a mãe e a tia, preparavam massa fresca, o que o levou a querer trabalhar na área. Primeiro, chegou à cozinha de um canal de TV pioneiro sobre culinária e, em seguida, virou chef e consultor de restaurantes e hotéis.
No fim de 2017, incentivado pela mulher, começou a fazer vídeos no YouTube. “Fazia quase contra minha vontade. Parecia uma brincadeira, e eu queria cozinhar de verdade.”
A virada veio com a pandemia de Covid e o impacto no setor devido a sucessivos lockdowns. “Eu e minha mulher nos perguntamos: quanto conseguimos durar pagando financiamento de apartamento?. Foi quando começamos a fazer vídeos seriamente.”
Em 2022, vendo a audiência cair diante dos reels do Instagram e do Tik Tok, passou a investir nesse conteúdo. Nos vídeos, é comum ouvir Mariola exaltar ingredientes naturais. “Faço essa comunicação do comer bem e saudável, sem peixe de criadouro, sem tanta carne, com muitos legumes. Existe um estilo de vida aplicado às receitas.”
É um reflexo da própria alimentação, conta o chef. “Como pouquíssima massa, pouco pão, quase zero de pizza, pouco carboidrato refinado.” E o carbonara? “Quase nunca! Farinha branca é um problema para o corpo.”
MICHELE OLIVEIRA / Folhapress