SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Ao longo de sua carreira, Quentin Tarantino sempre foi acusado, justa e injustamente, de fazer pastiche. De acordo com seus detratores, seus filmes seriam apenas uma série de referências cinéfilas, sem um mérito próprio.
Se o que o diretor de “Pulp Fiction” produz é mesmo uma cópia descarada de mestres do passado, então o que Ti West concretiza com “MaXXXine”, seu último lançamento, é uma colagem feita em inteligência artificial -sem nexo, sem propósito.
Com “X: A Marca da Morte”, o primeiro filme da franquia estrelada por Mia Goth, West fez alusão à tela dividida ao meio de Brian De Palma, também muito referenciada na obra de Tarantino. Na sequência “Pearl”, que conta as origens da velha decrépita do original, o cineasta prestou homenagem ao clássico “O Mágico de Oz” -apesar de ser ambientado em 1918, duas décadas antes de Judy Garland calçar os sapatinhos de rubi.
Em “MaXXXine”, que encerra a trilogia, estamos em 1985, época em que West já era nascido. E com uma propensão menor ao anacronismo, o diretor se esbalda nos sintetizadores da trilha sonora, nos cabelos cheios de laquê da protagonista e no visual colorido que remonta aos mistérios de Dario Argento –que, por sua vez, tinha o britânico Alfred Hitchcock como grande inspiração.
Se já não tivéssemos atravessado toda a onda de nostalgia oitentista de “Stranger Things”, a estética de “MaXXXine” seria uma boa novidade. É, sem dúvida, um avanço para o diretor, que pouco se importou com o período retratado em “Pearl”. Aqui, temos becos iluminados por luzes neon e uma inexplicável névoa que circunda a silhueta contrastada da atriz. Tudo bem característico da década de 1980.
Vivendo em Los Angeles, a ambiciosa Maxine Minx quer abandonar a indústria pornográfica para se tornar uma atriz “de verdade”. Depois de impressionar a diretora Elizabeth Bender, vivida por uma Elizabeth Debicki subutilizada, ela consegue um papel importante em uma produção de terror, mas é atormentada pelas memórias do massacre no Texas -e por um serial killer que persegue o seu novo círculo de amizades.
Assim, West aproveita para nos levar num passeio pelos estúdios de Hollywood e, para a inveja de Argento, pega emprestado o famoso cenário de “Psicose” no lote da Universal. Na sua lente, o motel Bates parece pequeno, inofensivo, quase feito de papelão. As mortes em “MaXXXine” também são assim, artificiais -não pelo sangue de cor viva, mas porque nada parece ter peso na história.
Há, por exemplo, uma bela cena em que Maxine grifa as falas de sua personagem no roteiro do filme. Ao mesmo tempo, uma vítima é esfaqueada em outro local. West intercala o marca-texto amarelo com a arma do assassino misterioso, como se a ambição da atriz fosse também responsável por aquela morte. A sua determinação, porém, segue inabalável. Outras perdas mal chegam a incomodar.
O grande problema é que Maxine não é uma vítima, mas o diretor insiste em criar situações mais apropriadas para uma donzela em perigo. No clímax, quem resolve todo o imbróglio não é ela, mas uma dupla de policiais interpretados por Michelle Monaghan e Bobby Cannavale -ambos fazendo muita força para dar algum carisma aos seus papéis.
Com um roteiro tortuoso, o que se salva mesmo em “MaXXXine” é o elenco recheado, que conta também com um Kevin Bacon se divertindo como nunca e com um Giancarlo Esposito que, dependendo do ângulo, lembra Clodovil. Além, é claro, da neta da atriz brasileira Maria Gladys, que entende muito bem o apelo ‘camp’ da protagonista.
Apesar das boas intenções dos atores, o resultado final beira o surrealismo, tamanha a falta de sentido. Num ouroboros de referências cinematográficas, algumas mais descabidas do que as outras, “MaXXXine” mostra que é preciso comer muito arroz e feijão para saber o que copiar da história do cinema -e como copiar bem.
MAXXXINE
Quando: Estreia nesta quinta (11), nos cinemas
Classificação: 18 anos
Elenco: Mia Goth, Elizabeth Debicki e Kevin Bacon
Produção: EUA, Reino Unido, Nova Zelândia, 2024
Direção: Ti West
Avaliação: *Regular*
IEDA MARCONDES / Folhapress