Como exposição no MIS tenta dar rosto às maiores guerras do mundo

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma criança aponta uma arma para a cabeça de outra, enquanto um terceiro menino sorri para a câmera que os eterniza em preto e branco. Os três garotos franzinos brincam de luta em meio à Guerra do Vietnã, num retrato perspicaz do conflito mais imagético do século 20.

A fotografia do jornalista José Hamilton Ribeiro faz parte da mostra “O Gosto da Guerra”, no Museu da Imagem e do Som, o MIS, homônima ao livro que reúne reportagens escritas durante a cobertura do conflito e que agora ganha uma reedição atualizada pela Companhia das Letras.

Cliques dos brasileiros André Lihon, Hélio de Campos Mello, Juca Martins, Leão Serva e Yan Boechat fazem coro com as desconcertantes imagens de Zé Hamilton, como Ribeiro é conhecido, para narrar algumas das guerras mais violentas do último século.

Crianças brincam com uma arma durante a guerra do Vietnã, em abril de 1968 José Hamilton Ribeiro Abril Comunicações S.A. A imagem em preto e branco mostra três crianças brincando ao ar livre. Duas delas estão vestindo camisas de flanela xadrez e shorts, enquanto a terceira criança está usando uma camiseta sem mangas e shorts listrados. Ao fundo, há várias roupas penduradas em varais e uma vegetação densa. Mostrar ao Brasil essa guerra foi duro. Durante a cobertura, Zé Hamilton perdeu uma perna, e a tragédia foi fotografada por Keisaburo Shimamoto, que o acompanhava. Uma foto colorida do momento está exposta no MIS, com Zé Hamilton ferido, de costas, tirada quando Shimamoto percebeu que o amigo foi atingido.

Assim como ele, a imagem também é uma sobrevivente, já que o resto do rolo do filme foi perdido, conta Teté Ribeiro, repórter especial da Folha de S.Paulo, curadora da mostra e filha do jornalista, hoje com 88 anos.

Teté sempre ouviu do pai que os horrores daquela guerra puderam ser contados porque não havia censura da imprensa. Não por acaso, as imagens que circularam nas primeiras páginas de jornais pelo mundo e nas televisões incendiaram corações e mentes para o movimento pacifista e o Maio de 1968, na França.

Zé Hamilton caminhava entre soldados, vestido como um deles, mas, em vez de um fuzil, carregava uma câmera, um bloco de papel e uma caneta.

Os jornalistas podiam ver a guerra de perto, afirma Teté. Era diferente de 2003, com a Guerra do Iraque, com os seus mapeamentos de onde a imprensa poderia ou não estar.

A transmissão massiva do conflito fez com que a Guerra do Vietnã se tornasse um tema central para Hollywood, reinterpretado por grandes nomes do cinema. É o caso de “Platoon” e “Nascido em 4 de Julho”, dirigidos por Oliver Stone, “Pecados de Guerra”, de Brian De Palma, “Nascido Para Matar”, de Stanley Kubrick, e “Apocalypse Now”, de Francis Ford Coppola.

“O ‘verde Exército’ é o verde da Guerra do Vietnã. Quando falamos em padrão camuflado, vem à cabeça aquela coisa orgânica, um verde, preto e cinza”, diz Teté, sobre como o conflito extrapolou as imagens para influenciar não só os rumos políticos do mundo, mas também toda a cultura.

Nas décadas seguintes, os jornalistas em campo viraram novos alvos. “Hoje em dia, mata-se jornalista. Cobrir guerra é mais limitado e perigoso. Tem tecnologia para filmar tudo, o tempo inteiro, em qualquer lugar, mas a imprensa está amarrada”, diz Teté.

Ela lembra quando o terrorista Osama Bin Laden, autor do ataque às Torres Gêmeas, foi capturado e morto pelas forças americanas. Apesar de a perseguição ter paralisado o mundo, nenhum repórter acompanhou a operação e nenhuma imagem veio a público. A única foto que se tem é uma de Barack Obama, então presidente dos Estados Unidos, assistindo à movimentação por uma televisão.

A inexistência de fotografias como essa em um mundo cada vez mais tecnológico parece tão contraditória quanto a banalização do que vemos nas telinhas dos celulares, decorrente do excesso de imagens nas redes sociais.

É em meio a esse caos imagético que fotos de soldados vigiando as ruas de El Salvador, tiradas por Hélio Campos Mello durante a guerra civil no país em 1989, ou ainda retratos de cidades ucranianas destroçadas no ano passado, de Yan Boechat, tentam dar um rosto à guerra.

Se, por um lado, as milhões de imagens acessíveis dão a impressão que o acesso a informação foi democratizado, por outro é difícil distinguir o que merece atenção, argumenta Teté. O tempo dirá se as redes serão positivas ou prejudiciais. “Obviamente, o que aconteceu no Vietnã não era visto como uma coisa banal e facilmente superável.”

ALESSANDRA MONTERASTELLI / Folhapress

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