Com 20 mil caminhões por dia e risco de colapso, Porto de Santos espera por novas vias de acesso

SANTOS, SP (FOLHAPRESS) – O barulho fica ainda mais forte quando os caminhões sacolejam ao atravessar os buracos. Se incomoda quem passa por alguns segundos, imagine quem fica ali o dia inteiro.

“É sempre assim! A depender da hora, você precisa ver a fila de caminhões… Vai até a rodovia”, diz Dalva Silva, que vende almoços para motoristas, entregando as marmitas por uma pequena janela de sua casa.

Não há imagem que represente melhor a discussão sobre os gargalos de acessibilidade do Porto de Santos, o maior do hemisfério sul, como a da Rua Professor Idalino Pinez. Mas ninguém a conhece por esse nome. Para todos, é a Rua do Adubo.

São cerca de 700 metros de uma via urbana, de mão dupla em área que, na teoria, é residencial. Os caminhões que saem da Rodovia Cônego Domenico Rangoni em direção à margem esquerda do Porto de Santos, que fica no Guarujá, não têm outro caminho. Devem passar pela Rua do Adubo. Para aproveitar o movimento, surgiram no local postos de gasolina, borracharias e lojas de venda de peças.

“O Porto nunca olhou para o Guarujá. E é no Guarujá que está o espaço para crescimento. Em Santos, não há um metro quadrado disponível”, constata o presidente da APS (Autoridade Portuária de Santos), Anderson Pomini.

Existe a preocupação de que, se nada for feito, a acessibilidade ao complexo, que abarca também Guarujá e Bertioga (e em breve, Cubatão), pode entrar em colapso no final da próxima década. É o preço da própria eficiência.

Nos últimos 30 anos, apenas em dois deles o Porto de Santos não bateu o próprio recorde de movimentação de cargas. Foram 173,3 milhões de toneladas em 2023. Em 1993, haviam sido 29,1 milhões. O crescimento médio no período foi de 5,9% a cada 12 meses. O PIB brasileiro aumentou, no ano passado, 2,9%.

O PDZ (Plano de Desenvolvimento e Zoneamento) do porto avalia que, em 2040, a movimentação vai chegar a 240,6 milhões de toneladas.

“Isso é só a ponta do iceberg. As projeções não contemplavam expansões previstas para os TUPs [Terminais de Uso Privado] nem estudos para implantação de mais meia dúzia. Se isso acontecer, serão mais 70 ou 80 milhões de toneladas em 2040”, afirma o engenheiro e economista Frederico Bussinger. Ele foi secretário-executivo do Ministério dos Transportes, diretor do metrô de São Paulo e da Codesp, ente depois renomeado para Autoridade Portuária.

Na safra de açúcar de 1993-1994, a tonelada era embarcada por US$ 44 (R$ 240,5 em valores atuais). O preço está hoje entre US$ 6 e US$ 8 (R$ 32,8 e R$ 43,7). Eram embarcadas por hora cem toneladas. Agora está perto de 3.000.

“Antes, eram descarregados oito contêineres por hora. Atualmente, são mais de cem. Mesmo na crise financeira de 2008, o porto nunca faltou ao comércio mundial brasileiro. O porto se virou”, completa Bussinger.

Segundo a APS, de toda a carga que chega e sai do complexo, 60% usam a via rodoviária, 30% são por ferrovias e 10% por dutos.

Embora especialistas ressaltem a necessidade também de investir na malha ferroviária, principalmente por causa do agro, a preocupação geral é com o acesso dos caminhões. A estimativa é que são 20 mil por dia. Em Santos, 15 mil, e 5.000 no Guarujá.

“É preciso, antes de tudo, discutir como fazer a gestão do complexo. Tenho defendido que o caminho é estabelecer uma governança que envolva as três esferas de poder: federal, estadual e municipal. Sem isso, será impossível resolver o problema dos acessos. Todos sabem o que deve ser feito, mas é preciso vontade política”, diz Fabrizio Pierdomenico, ex-secretário Nacional dos Portos e hoje consultor de diversas empresas da área.

Ele se refere a alternativas colocadas na mesa: investir em complexos viários, viadutos, um túnel ligando Santos a Guarujá (em fase de projeto), ampliação do Rodoanel e a construção de uma nova pista do complexo Anchieta-Imigrantes.

Em 20 de maio, em evento realizado em Santos, foi lançada a Frente Parlamentar Terceira Pista Anchieta-Imigrantes, presidida pela deputada estadual Solange Freitas (União Brasil-SP). O secretário de Parcerias e Investimentos do Governo de São Paulo, Rafael Benini, disse que a Ecovias, concessionária do sistema, havia sido contratada para efetuar estudos, projetos e licenciamentos para uma nova ligação entre o planalto e o litoral.

A necessidade é que, por causa da inclinação da pista e dos longos túneis, os caminhões não podem usar a Imigrantes. Apenas a Anchieta. Isso significa que 60% da movimentação da principal porta de saída das exportações do país dependem de uma rodovia aberta em 1947.

À reportagem, a assessoria da Ecovias confirma ter recebido autorização do governo paulista para “elaboração de estudos e projetos necessários para a concepção de uma nova ligação”. O prazo para conclusão desses estudos é de dois anos, prorrogáveis por mais 12 meses. Sem isso, diz a empresa, não há como estimar tempo para a obra e o custo. Engenheiros que trabalham com obras portuárias estimaram em cerca de seis anos.

“Deve-se considerar a importância de estudos simultâneos para a implantação de uma nova rodovia. Como a que parte do eixo leste do rodoanel Mario Covas na região de Suzano, em direção à zona continental de Santos, para atender as operações da margem esquerda [no Guarujá], que serão impactadas pela expansão portuária de até 19 novos berços de atracação”, opina Eduardo Lustoza, ex-executivo da APS e diretor de Portos da Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Santos.

Ele se refere ao que foi batizado como linha verde, um corredor rodoferroviário que seria alternativa ao sistema Anchieta-Imigrantes. O orçamento da obra é de R$ 12 bilhões.

Em março deste ano, o ministro dos Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho (Republicanos-PE) anunciou R$ 12,6 bilhões em investimentos em Santos até 2028. Entre eles, estão a contratação para obras de R$ 600 milhões, como avenida perimetral (que passa ao lado do porto), viadutos e vias acesso para o Aeroporto Santos-Guarujá.

Mesmo o túnel entre Santos e Guarujá, uma obra viária que não é necessariamente portuária, entrou no projeto de desestatização. O orçamento previsto é de R$ 6 bilhões.

Toda discussão que envolve o porto ganha proporção não apenas pelo seu tamanho e importância. É também por envolver os governos federal, estadual, municipal a Autoridade Portuária, iniciativa privada e a comunidade local, que reclama maior participação em decisões que afetam o seu dia a dia.

A administração do Porto, feita pela APS, é federal. As vias de acesso são de responsabilidade do governo de São Paulo, com participação das prefeituras. A operação do complexo é 100% responsabilidade da iniciativa privada, o que gera conflitos. O maior deles, com as prefeituras, é a briga pelo pagamento ou não do IPTU (Imposto Predial Territorial Urbano).

A discussão é se a taxa pode ser cobrada de prestadores de serviços que substituem o poder público e usam imóveis da União para exercer suas atividades.

Lei municipal em Santos também exige contrapartidas de terminais privados que façam obras com mais de 2.000 metros quadrados. O secretário de Assuntos Portuários e Emprego da cidade, Elias Júnior, estima que já foram R$ 300 milhões em reformas de escolas e outros equipamentos públicos.

“O mercado só quer saber de carga, de caminhão e navio entrando, não quer saber se a cidade está degradada. Quando há um movimento de integrar a cidade, tem operador que olha torto. Mas a gente precisa pensar nisso”, afirma Pomini, citando a inauguração, no último dia 5, do Parque Valongo. É a reforma de terminais abandonados no centro de Santos para fins turísticos. O investimento inicial foi de R$ 44 milhões.

Os planos de expansão do porto passam por novos terminais e berços de atracação na antiga área da Cosipa (em Cubatão), no Canal de Piaçaguera, na Ilha Barnabé e na Área Continental de Santos. No futuro está o porto offshore, que é construído no mar, sem ligação com a terra.

A cada projeto do tipo, surge a ressalva de que é preciso evitar o colapso nas vias de acesso.

“Não adianta o porto ter eficiência se não tiver como escoar as cargas, que são a riqueza do país”, conclui o presidente APS.

São discussões para o futuro, que não devem mudar, a curto prazo, a realidade dos caminhões que passam pela Rua do Adubo e produzem o barulho tão incessante quanto insuportável.

“Tudo o que fala sobre o porto é fascinante. É o lugar em que você vê e sente o cheiro do PIB”, resume Fabrizio Pierdomenico.

ALEX SABINO / Folhapress

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