SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um mundo sem cores, repleto de comprimidos e que alterna gritos e silêncios. É assim a atmosfera de “Ninguém Sai Vivo Daqui”, filme que reconta o “Holocausto Brasileiro”. Para além dos horrores dos fatos em si, as imagens em preto e branco e os personagens criam um clima de suspense que lembra como a vida real pode ser também aterrorizante.
A história ficou conhecida pelo livro de Daniela Arbex, de 2013, que relata os crimes ocorridos Hospital Colônia de Barbacena, em Minas Gerais. A instituição funcionou durante quase oito décadas no século passado e ficou conhecido pelo tratamento desumano que oferecia aos pacientes.
“Pelo menos 60 mil pessoas morreram entre os muros do Colônia. Tinham sido, a maioria, enfiada nos vagões de um trem, internadas à força. Quando elas chegaram ao Colônia, suas cabeças foram raspadas, e as roupas, arrancadas”, conta a autora no livro.
O maior manicômio (como era chamado na época) do Brasil já tem um documentário produzido pela Netflix e a série “Colônia”, produzida pelo Canal Viva e disponível no Globoplay, que lembram as mesmas histórias e personagens do filme. Agora, o tema se repete na montagem de André Ristum, com Fernanda Marques e Andréia Horta no elenco, o que, segundo a autora, é importante para manter a história viva.
“Esse é um tema que continua muito urgente, muito atual. Tudo que a gente puder falar sobre a história da saúde mental no Brasil e desse modelo tão excludente, que no caso do Colônia permaneceu por mais de oito décadas, é altamente necessário. Esquecer é negar a história”, diz Arbex, que coloca o tema dos hospitais psiquiátricos brasileiros em jogo.
Na montagem de André Ristum, os elementos de suspense foram escolhidos para retratar o horror daquela situação: “Pensando na história, pensando na vida dessas pessoas, claramente se tratava de um filme de terror da vida real. A pessoa vive o terror real ali nesse lugar, ainda mais depois que começam a ser entupidos de remédios, de choques elétricos, todo tipo de tratamento”. Os pacientes são retratados desde o início recebendo pílulas e tratamentos que alteram seus comportamentos.
Mas, o que chamou mais atenção para o diretor, foram os casos de pessoas saudáveis, sem diagnósticos de doenças mentais, que eram levadas ao hospital: grávidas solteiras, prostitutas, amantes, homossexuais, pessoas negras…
“Isso é uma loucura, porque vai muito além de uma instituição psiquiátrica e de tentar dar um tratamento adequado dentro do entendimento da época às pessoas. A gente está falando de outro modelo de cadeia, uma cadeia que não tem juiz julgando. E a pessoa é enviada para esse lugar e pode ficar lá para o resto da vida”, diz Ristum.
Foi isso que o fez escolher a personagem de Elisa, interpretada por Fernanda Marques, uma mocinha grávida solteira, para ser a protagonista do longa. “Que nível de desumanidade tem uma família que bota uma filha, ou uma amante lá dentro? Quis dar uma identificação ao espectador, no sentido de pensar: ‘Podia ser a minha filha'”, conta ele.
Fernanda, que considera esse o papel mais importante de sua carreira, conta que enfrentou uma preparação intensa para viver a gestante: “Fui colocada numa sala sozinha, fechada, ouvindo sons de gente sendo torturada”. “Eu acessei lugares no meu corpo, um choro do útero, que eu nunca senti na minha vida”, lembra ela. No filme, Elisa (spoiler!) é obrigada a abortar.
Com roteiro de André Ristum, Marco Dutra e Rita Gloria Curvo, “Ninguém Sai Vivo Daqui” tem ainda Augusto Madeira, Rejane Faria, Naruna Costa, Aury Porto, Arlindo Lopes e Bukassa Kabengele no elenco. O filme estreia na quinta-feira (11) nos cinemas.
LUÍSA MONTE / Folhapress