SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Mudanças nas regras para construir e utilizar prédios aprovadas pela Câmara Municipal de São Paulo no início deste mês foram decididas sem consultas ao colegiado previsto na Constituição para garantir a participação popular nas discussões sobre as cidades, afirmam 29 conselheiros do órgão o CMPU (Conselho Municipal de Política Urbana).
O grupo escreveu um manifesto que pede ao prefeito Ricardo Nunes (MDB) veto integral ao projeto apelidado de “revisão da revisão” da Lei de Zoneamento.
Integrante titular do CMPU e signatário do texto, o arquiteto e urbanista Anderson Kazuo Nakano também afirma que as novas alterações nas regras de uso e ocupação do solo retomam a prática de realizar mudanças em lotes e quadras específicas da cidade.
Decisões desse tipo aconteciam com frequência entre os anos 1970 e início dos anos 2000, diz ele. Isso resultou no acréscimo de aproximadamente 2.000 artigos à lei, o que a tornou obscura e impraticável até a revisão de 2006, diz o arquiteto.
O grupo que assina o documento é composto pelos conselheiros que representam a sociedade civil no órgão. Os membros indicados pelo setor empresarial e pelo poder público não endossaram o texto.
A Câmara reabriu a discussão sobre a Lei de Zoneamento em junho deste ano, seis meses após ter aprovado a revisão desta mesma lei, em vigor desde 2016.
Na ocasião, o presidente da Casa, vereador Milton Leite (União Brasil), argumentou que a retomada do tema era necessária para corrigir erros no mapa publicado pela prefeitura. Algumas quadras tinham ficado em branco, ou seja, sem zoneamento.
Em 2 de julho, ao votarem o projeto que corrige a revisão, porém, cerca de 40 emendas foram aprovadas e incluídas no texto enviado à sanção de Nunes. Muitos dos pontos aprovados permitem a construção de prédios maiores em locais onde essas edificações não eram autorizadas.
Trechos de bairros valorizados, como Perdizes (zona oeste), Vila Buarque (centro), Vila Mariana e Vila Nova Conceição (zona sul) tiveram seu zoneamento modificado para ZEU, sigla que identifica zonas de eixos estruturais para o desenvolvimento da cidade, localizadas próximas ao transporte público.
Nesses locais, edifícios não possuem limite de altura. Há situações em que, embora a escolha não tenha sido pela ZEU, houve progressão para um zoneamento mais permissivo. É o caso da alteração nos arredores do Jockey Club.
Essas mudanças aumentam a quantidade de vezes que a área construída pode ter em relação ao tamanho do terreno. Com esse tipo de alteração, terrenos caros passam a ficar interessantes para o setor imobiliário, pois é possível diluir o custo de aquisição por um grande número de apartamentos e escritórios.
No manifesto, os conselheiros que assinam a nota dizem que o atual planejamento urbano do município desconsidera o interesse público, “em reverência aos interesses particulares, sobretudo do mercado imobiliário e de investidores nacionais e internacionais, financeiros e econômicos”. O documento também é endereçado à Câmara e ao Ministério Público.
Procurados, Secovi-SP e Abrainc, associações empresariais que reúnem incorporadores e construtores, não comentaram até a publicação deste texto.
Relator das revisões da legislação urbana, o vereador Rodrigo Goulart (PSD) criticou a baixa participação dos conselheiros nas mais de cem audiências públicas realizadas pela Câmara desde 2023. “Eu não fui convidado para nenhuma reunião do CMPU para tratar desse tema”, diz.
Goulart ainda disse que as regras básicas da legislação em vigor são as mesmas criadas na gestão do ex-prefeito Fernando Haddad (PT) e que a Câmara apenas fez ajustes.
Em nota, a presidência da Câmara afirmou que “esteve aberta a sugestões de toda a sociedade, incluindo o CMPU. Infelizmente, muitos dos que criticam agora não participaram em nenhum momento deste processo democrático no Legislativo”.
Sobre projeto que fez a revisão, a Câmara afirma que o objetivo principal foi promover ajustes necessários na Lei de Zoneamento e que, sobre as emendas apresentadas pelos vereadores de forma pontual, “isso é uma prerrogativa de cada parlamentar”.
“As emendas foram debatidas em audiência pública no dia 1º de julho e publicadas no Diário Oficial da Cidade. Portanto, não cabe falar em falta de transparência nem em falta de participação popular”, diz a nota.
A prefeitura não havia comentado até a publicação deste texto.
CLAYTON CASTELANI / Folhapress