RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Dois milicianos presos usaram a delação premiada do ex-PM Ronnie Lessa, assassino confesso da vereadora Marielle Franco (PSOL), para pedir liberdade à Justiça do Rio de Janeiro.
As defesas do ex-vereador Cristiano Girão e do ex-bombeiro Maxwell Simões Corrêa, o Suel, afirmam que depoimentos do ex-PM os isentam dos crimes pelos quais foram denunciados pelo Ministério Público.
O MP-RJ é contrário à liberdade dos dois acusados. A Promotoria afirma nos dois processos que os depoimentos de Lessa não são suficientes, sem corroboração, para livrar os dois da prisão. A Justiça ainda não se pronunciou sobre os pedidos.
A delação de Lessa teve como principal foco o esclarecimento da morte de Marielle. Ele apontou como mandantes os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão. Eles foram presos preventivamente e se tornaram réus no STF (Supremo Tribunal Federal). Os irmãos negam envolvimento no crime.
Além do caso Marielle, o ex-PM falou sobre outros crimes dos quais é acusado. Segundo o acordo de colaboração premiada, a delação precisa ser homologada também pelos juízos nos quais correm as outras ações penais.
Girão foi preso em julho de 2021 sob a acusação de ter encomendado a Lessa a morte do ex-PM André Henrique da Silva Souza, conhecido como André Zóio, miliciano envolvido na disputa pelo controle da região de Gardênia Azul (zona oeste) com o ex-vereador.
Lessa confessou ter matado Zóio, mas desvinculou Girão do crime. Ele disse que não conhece o ex-vereador.
“Eu particularmente não conheço, não quero conhecer. Não conheço seu tom de voz, não conheço sua altura. O que eu tenho dele é simplesmente informações de que ele é um cara arrogante, e esse tipo de comportamento não me atrai de jeito nenhum”, afirmou Lessa aos investigadores. “Não tenho interesse nenhum em preservá-lo”, acrescentou.
Lessa afirmou que matou André Zóio por iniciativa própria. Segundo o relato, Lessa se recusou a aceitar ceder para ele uma participação nos lucros de máquinas de música e fliperamas que mantinha em Gardênia Azul. O delator disse que decidiu matá-lo após uma discussão, para evitar ser vítima de uma emboscada.
A defesa do ex-vereador solicitou à Justiça a revogação da prisão preventiva.
“A delação do Ronnie Lessa, homologada pelo STF, apenas confirmou aquilo que todos sabiam: Cristiano Girão é inocente. Se a delação serviu para prender um deputado federal, um conselheiro do TCE e o ex-chefe de Polícia Civil do Rio, por consequência lógica, deve servir para soltar aquele que estava preso injustamente”, afirmou o advogado Zoser Hardman, que representa Girão.
O Ministério Público, porém, se posicionou contrário à liberdade do ex-vereador.
“A simples assertiva de réu colaborador no sentido de que o requerente não teria participado da empreitada não é suficiente para afastar o reconhecimento acima mencionado”, afirmou a Promotoria à Justiça.
“Este Ministério Público, embora tenha participado das negociações e assinado o acordo, não teve ainda a oportunidade de diligenciar no sentido de comprovar (ou refutar) as alegações do colaborador no tocante a cada um dos processos de sua atribuição, em especial estes autos.”
A Promotoria ainda levanta a possibilidade de Lessa ter mentido no anexo sobre Girão.
“Ao firmar acordo com Ronnie Lessa, o Ministério Público não renunciou ao direito de responsabilizar todos os envolvidos nos fatos relatados, inclusive aqueles indivíduos cuja participação o colaborador possa ter dolosamente omitido. Neste caso, as consequências estão expressamente previstas em lei (não reconhecimento da efetividade do acordo ou até mesmo sua rescisão)”, escreveram os promotores.
O juiz da 3ª Vara Criminal, Cariel Patriota, decidiu aguardar o envio pelo STF do anexo da colaboração de Lessa relacionado ao caso.
Girão ficou preso por oito anos após ser condenado da acusação de comandar uma milícia em Gardênia Azul e retornou ao Rio no início de 2018. Ele chegou a ser considerado um dos principais suspeitos de ter encomendado o assassinato de Marielle, morta em março de 2018.
A defesa de Suel também solicitou a revogação da prisão.
O ex-bombeiro foi preso em julho do ano passado com base na delação do ex-PM Élcio Queiroz, que confessou ter dirigido o carro para Lessa realizar os disparos contra Marielle. O colaborador disse que Maxwell participou da preparação do crime.
Lessa, porém, afirmou à PF que o ex-bombeiro não sabia do planejamento para a morte da vereadora. Confirmou a participação dele apenas na ocultação de provas.
O ex-PM disse que Suel foi o responsável por disponibilizar o carro clonado utilizado na emboscada contra Marielle. Declarou, porém, que o ex-bombeiro participava da preparação de outro crime: a morte da então presidente da escola de samba Salgueiro Regina Céli. A emboscada acabou não sendo concretizada.
“Em momento algum ele soube da morte da Marielle. Ele só soube da morte da Marielle após o crime, horas depois. Horas não, talvez menos de uma hora depois”, disse ele à PF.
Neste caso, a Promotoria também afirmou que as declarações de Lessa precisam de corroboração. Disse ainda que o depoimento não isenta o ex-bombeiro.
“Atestado que Maxwell participou ativamente de importantes atos anteriores e posteriores ao crime, os quais em muito auxiliaram à dupla de executores, a discussão acerca da assertiva defensiva no sentido de que ‘o defendente [Suel] não sabia sobre o trabalho que Élcio, Macalé e o próprio delator estavam envolvidos’ há que ser realizada e julgada pelos srs. jurados”, escreveu a Promotoria.
“Ainda que o colaborador Ronnie Lessa inocentasse Maxwell (o que, repita-se, em momento algum ocorre), suas palavras, sem corroboração ou, o que é ainda pior, de forma contrária ao robusto acervo probatório produzido, igualmente não serviriam para inocentar quem quer que seja.”
O juiz da 4ª Vara Criminal, Gustavo Kalil, ainda não analisou o pedido. O magistrado, porém, já negou a saída dele do presídio federal de Brasília.
A advogada Fabíola Garcia, que defende Suel, afirmou existir “elementos fáticos e jurídicos para a soltura do seu cliente”.
“Acreditando que Maxwell possui condições de estar em presídio estadual, até mesmo de ter a prisão preventiva substituída por medidas cautelares diversas da prisão, diante das diversas negativas, continuará em busca da verdade real dos fatos e na liberdade de seu cliente”, disse ela, em nota.
Suel já foi condenado na ação penal que respondia por ter participado de uma operação para lançar armas de Lessa no mar após a morte de Marielle. Ele também é acusado de atuar numa milícia em Rocha Miranda (zona norte) com o ex-PM.
ITALO NOGUEIRA E BRUNA FANTTI / Folhapress