BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A cobrança automática do novo IVA (Imposto sobre Valor Agregado) da reforma tributária pode deixar a alíquota em torno de 25%, prevê o relator do projeto de regulamentação na Câmara dos Deputados, Reginaldo Lopes (PT-MG).
O valor é mais otimista do que os 26,5% estimados pelo próprio Ministério da Fazenda no envio da proposta. E é consideravelmente mais baixa que a simulação feita a pedido da reportagem por técnicos do Banco Mundial, que coloca a alíquota acima de 27% após a inclusão das carnes e outros alimentos na cesta básica.
O relator argumenta que, no saldo final da votação, mudanças feitas pelos deputados compensam as flexibilizações.
Por um lado, a inclusão das carnes na cesta básica nacional (que reunirá produtos com alíquota zero) e demais concessões incorporadas no relatório elevam a alíquota em até 1 ponto porcentual, estima Lopes.
Por outro, o aprimoramento do split payment (mecanismo por meio do qual há uma retenção automática do imposto no momento da transação financeira) tem potencial de reduzir a alíquota em 1 ponto porcentual, de acordo com o relator.
Já a cobrança do “imposto do pecado” sobre carros elétricos, bets e carvão mineral deve trazer alívio de mais 0,3 ponto, pois a arrecadação do Imposto Seletivo tira pressão da alíquota do IVA para manter estável a carga tributária.
“Chamamos quem elaborou o modelo de cálculo da alíquota. O próprio presidente [da Câmara] Arthur Lira tinha uma preocupação extraordinária com a alíquota, e ali surgiu a ideia da trava. E, se tudo der errado, ainda tem a trava e a obrigatoriedade”, disse o petista à reportagem no dia seguinte à aprovação do texto na Câmara.
A trava mencionada pelo relator foi incluída no texto para garantir que a alíquota dos novos impostos não ultrapasse os 26,5%. Se isso acontecer, o presidente da República terá de enviar um projeto de lei complementar reduzindo descontos na alíquota de bens e serviços favorecidos por uma cobrança menor.
Lira comandou uma votação a jato do projeto de regulamentação da reforma tributária na noite de quarta-feira (10), que teve mudanças ao relatório feitas em cima da hora, com a discussão já em curso.
“Estou convencido que os meus cálculos estão corretos. Tem R$ 2 trilhões de economia subterrânea, ou seja, que não paga impostos”, disse Lopes.
Segundo ele, a Câmara aprovou um modelo mais criativo e inteligente do split payment do que o proposto pelo Executivo no projeto original. Trata-se do mecanismo que permite o recolhimento automático dos tributos no ato de pagamento de produto ou serviço.
O instrumento é uma das principais apostas do governo para reduzir a sonegação. O sistema vincula o pagamento do tributo ao documento fiscal e à liquidação financeira da transação comercial, segregando automaticamente o valor do tributo e o da operação em si.
Segundo ele, a criação do “cashback” –mecanismo de devolução de parte do tributo pago pelos consumidores de baixa renda– vai ajudar a disseminar a cobrança pela nota fiscal e amplificar o alcance do sistema.
“Nós criamos o cashback, que força 73 milhões de brasileiros a pedirem nota fiscal, a partir do split payment”, afirmou.
Lopes rebateu críticas de setores que não se sentiram contemplados pelas mudanças de última hora, como o saneamento. Representantes do segmento dizem que há risco de alta nas tarifas, já que o serviço será cobrado pela alíquota cheia. Consumidores de baixa renda, porém, terão 100% do imposto devolvido por meio do cashback.
“O problema do país é que ninguém quer pagar imposto. A reforma é para acabar com a festa”, disse o relator.
Outro tema que movimentou as discussões políticas em torno do texto foi a inclusão da proteína animal na cesta básica. O relator incluiu isso em seu parecer momentos antes de começar a votação de um destaque apresentado pelo PL, sigla do ex-presidente Jair Bolsonaro.
O tema se tornou um novo foco de divergência entre o Planalto e Lira. De um lado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defendia carnes na cesta básica, apesar de resistências da Fazenda. De outro, o presidente da Câmara era contra sob o argumento de que isso teria impacto expressivo na alíquota.
Lira só recuou após ser alertado por líderes partidários que havia votos suficientes para aprovar o destaque, numa ofensiva que uniu parlamentares da direita à esquerda sob forte atuação da FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária), uma dos grupos mais poderosos do Congresso.
No plenário, petistas e oposicionistas comemoraram a decisão de Lopes. Ao longo do dia, no entanto, parlamentares do PL usavam desse impasse para criticar Lula, que prometeu baratear o preço da carne, citando a picanha, durante a campanha presidencial.
“A picanha uniu Bolsonaro e Lula. Isso é extraordinário”, disse Lopes, que foi designado por Lira para ser relator entre os sete membros do grupo de trabalho que elaborou o parecer.
O petista disse que, diante da preocupação com o tamanho da alíquota, a ideia da trava surgiu em reunião do colégio de líderes ocorrida na véspera da votação, na residência oficial de Lira.
No encontro, que teve a participação do ministro Fernando Haddad (Fazenda) e de técnicos da Receita, os parlamentares debateram o impacto de cada alteração no texto em análise.
Um dos personagens centrais das negociações de bastidores para a inclusão da carne na cesta básica nacional, o relator disse que o acordo apontou para uma convergência extraordinária dos deputados. Enquanto o texto-base teve o apoio de 336 deputados, a isenção das proteínas animais foi aprovada por 447 votos a 3.
“Política se faz no diálogo. As duas últimas reformas foram sob a ditadura civil de [Getúlio] Vargas e a ditadura militar do Castelo Branco. Política se faz no diálogo”, afirmou.
“Todos nós queremos melhorar a alimentação do povo brasileiro. Eu não quero definir o que o pobre deve escolher [para comer]”, disse. Lopes, porém, avaliou que o mecanismo de cashback de devolução do imposto é mais justo.
“É um instrumento mais redistributivo, mas no momento de polarização da política é muito difícil uma racionalidade para que todos possam compreender que realmente o cashback é um instrumento mais justo”, avaliou.
Para ele, a combinação entre cashback, cesta básica desonerada e trava da alíquota deu as condições políticas para unificar quase 500 votos em torno da emenda que garantiu alíquota zero para as carnes.
“Encontramos o instrumento técnico [a trava] para incluir a carne. Essa é a magia da política”, afirmou.
O relator ponderou, no entanto, que é errado resumir a importância e a complexidade da reforma ao debate das carnes e da cobrança do Imposto Seletivo sobre as armas de fogo –medida rejeitada pelo plenário.
Ele também minimizou o impacto da desoneração das flores no projeto, outra mudança incluída no dia da votação. “Flores é uma coisa que é 0,001…[%]. É maravilhoso. São só pequenos produtores”, disse.
O relator também apoiou a inclusão do plano de saúde de animais domésticos. Segundo ele, a primeira-dama Rosângela Lula da Silva, a Janja, participou ativamente dos debates como militante da causa animal. Em vídeo gravado com Janja nesta quinta-feira (11), Haddad contou que até a apresentadora Xuxa se envolveu na negociação.
“A Xuxa entrou no circuito, ela entrou em contato com os empresários que eu recebi na Fazenda”, disse o ministro da Fazenda no vídeo.
ADRIANA FERNANDES, VICTORIA AZEVEDO E IDIANA TOMAZELLI / Folhapress