SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Entre 440 projetos do mundo todo, o Brasil foi um dos cinco países reconhecidos por prestar um serviço público de relevância e o único na área de acessibilidade e inclusão em premiação da ONU realizada no mês passado. A Central de intermediação de Libras, da Prefeitura de São Paulo, foi premiada.
Os demais homenageados na cerimônia, ocorrida na Coreia do Sul, foram Letônia, África do Sul, Alemanha e Tanzânia, além das nações que receberam menções honrosas.
O serviço, oferecido pela Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência, consiste em auxiliar a pessoa surda ou com deficiência auditiva, por meio de um aplicativo gratuito que liga para a central de atendimento que intermediará uma conversa em Libras (Língua Brasileira de Sinais).
O funcionamento é de 24 horas por dia, sete dias por semana, para se comunicar em qualquer situação: no banco, na consulta médica, no trabalho ou quando o usuário precisar de apoio.
Por meio de uma videochamada, o usuário terá, do outro lado da tela, uma pessoa que fará a tradução para quem não sabe Libras. Por exemplo, numa consulta, o médico fala em português e o intérprete transmite os sinais para a pessoa consultada, que interage com o intérprete, que por sua vez passa as dúvidas ao médico: a chamada triangulação.
A entrevista a seguir, com a professora de Libras Júlia Bueno Jinking, 21, foi intermediada pelo aplicativo.
Júlia é surda e conta que há quatro meses usa a ferramenta diariamente. Ela afirma que, desde então, se sente mais incluída.
“Agora me sinto parte dos locais que eu frequento, as pessoas conseguem me fazer perguntas e eu consigo explicar e me expressar, resolver problemas com mais facilidade. Antes, às vezes, a informação chegava para mim de forma equivocada”, diz ela, que soube do serviço por acaso, enquanto atuava em um show como produtora de acessibilidade.
“Baixei o aplicativo na hora. Acho que devemos divulgar mais essa iniciativa para que chegue a outras partes do país, pois existem muitos locais a que a pessoa surda não tem acesso. Quando as pessoas não conseguem se comunicar de forma efetiva, são gerados estresse e ansiedade desnecessários”, afirma.
A professora afirma que, antes de aderir ao serviço, dependia totalmente da mãe, que também sabe a língua de sinais. “Em alguns casos era até constrangedor, como em consultas médicas. Todo lugar que eu ia precisava que ela me acompanhasse, mesmo eu sendo uma pessoa adulta.”
De acordo com a secretaria, não é necessário agendar atendimento, basta ligar na hora necessária.
Júlia relata, porém, que precisou aguardar algumas vezes por 30 minutos por um intérprete disponível. Mas diz que isso nunca a prejudicou. “Quando eu chego no local já aviso que vou acionar o intérprete do aplicativo e que preciso esperar um pouco.”
Segundo a secretaria, vivem hoje na capital paulista 200 mil pessoas surdas ou com deficiência auditiva.
Desde a habilitação da central, em 2021, foram realizados 32 mil downloads do aplicativo e 70 mil chamadas. “O embrião da central começou em 2015, trabalhei no seu desenvolvimento, mas ainda não era o aplicativo, criado na gestão passada, e em 2021, com o investimento do município bancamos o seu funcionamento, fizemos parceria com a telecomunicação”, afirma Silvia Grecco, secretária da Pessoa com Deficiência da cidade de São Paulo.
O aplicativo ainda traz ícones que conectam o usuário diretamente a serviços como Polícia Militar, Direitos Humanos, Bombeiros, 156, Previdência Social, Procon Paulistano, agenda cultural (com intérprete no dia da apresentação) e eleições municipais.
A pasta afirma também que já instalou 700 postos presenciais de atendimento em prédios públicos, como escolas, postos de saúde e Câmara Municipal. Desse modo, se a pessoa não estiver com o seu celular pode solicitar o acesso à central para um funcionário de um dos equipamentos.
“Nossa meta é chegar a 1.100 postos ainda neste ano”, diz a secretária.
Silvia Grecco afirma que o reconhecimento do trabalho é fundamental, destacando que países como Alemanha e Holanda se interessaram pelo modelo. “O mais importante dessa premiação é a visibilidade, mostrar que a pessoa com deficiência existe, deve ser amada, respeitada e incluída.”
A Central de Intermediação em Libras já havia recebido, em 2022, o prêmio Zero Project Conference, no escritório das Nações Unidas de Viena, na Áustria, por promover a implementação da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, um instrumento redigido pela ONU, em 2006.
HAVOLENE VALINHOS / Folhapress