BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O Banco Central não terá espaço para afrouxar a sua atuação no controle da inflação, mesmo com maior flexibilidade conferida pelo novo regime de metas, avalia o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello.
Para ele, a maior punição que uma autoridade monetária pode sofrer é a perda de credibilidade. “A política fiscal, em particular no Brasil, sempre adotou regras muito restritivas ou até punitivas. […] No caso da política monetária, essa não é a prática comum”, diz Mello à reportagem.
A partir de 2025, o BC passa a perseguir a meta de inflação de forma contínua, sem se vincular ao “ano-calendário” (período de janeiro a dezembro de cada ano). Sob as novas regras, o objetivo será considerado descumprido quando a inflação, medida pelo IPCA acumulado em 12 meses, ficar por seis meses seguidos fora do intervalo de tolerância.
Segundo Mello, um intervalo menor do que seis meses poderia fazer o BC descumprir a meta mesmo em caso de choques temporários e, assim, banalizar o instrumento da prestação de contas por estouros sucessivos.
A cada estouro, a autoridade monetária deverá informar as razões do descumprimento da meta, as medidas que estão sendo adotadas para levar a inflação de volta aos limites estabelecidos e o período esperado para que as medidas produzam efeito.
O decreto com as novas regras, contudo, não dá um prazo máximo para o BC recolocar a inflação na meta. O secretário de Política Econômica minimiza a ausência de um limite de tempo e fala em “trade-off” (escolha de uma opção em detrimento de outra).
“Quanto mais a autoridade monetária alongar o horizonte para trazer a inflação para dentro da meta, maior dificuldade vai ter de gerir expectativas, que é um componente essencial do regime de metas”, afirma ele. “Se alongar demais, isso pode ter consequências negativas sobre a própria credibilidade da política monetária.”
Por outro lado, cita que se o BC quiser recolocar a inflação na meta muito rapidamente e encurtar significativamente o horizonte de tempo, terá de adotar um choque de juros muito forte, podendo esbarrar no compromisso secundário da instituição com o nível de atividade econômica e de fomento ao pleno emprego.
“É importante que a autoridade monetária tenha essa flexibilidade, afinal, ela sabe melhor do que ninguém qual a temporalidade, os instrumentos e as possibilidades que tem de reancorar a inflação na meta”, diz. “Sempre vai ter que fazer esse balanço e encontrar um caminho crível, razoável para conduzir a política monetária.”
De acordo com Mello, o desenho adotado permite ao BC reagir a choques de diferentes naturezas com temporalidades distintas. Isso significa dar tratamentos diferenciados para choques temporários, como a calamidade no Rio Grande do Sul, e para choques mais duradouros, como a pandemia de Covid.
O secretário da Fazenda descarta a possibilidade de o BC trabalhar com um “shadow target”, ou seja, uma meta mais flexível ainda que dentro da banda de tolerância durante o prazo estabelecido para convergência da inflação.
A meta perseguida pelo BC para este e para os próximos anos é de 3%, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos. Isso significa que a meta é considerada cumprida se oscilar entre 1,5% (piso) e 4,5% (teto).
No mercado financeiro, há temor de que essa brecha dê espaço para o BC adotar uma política de juros mais branda a partir de 2025, quando a instituição será comandada por um nome indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O diretor Gabriel Galípolo (Política Monetária) é o favorito ao cargo.
“Não ficaria preocupado particularmente com a possibilidade de uma autoridade monetária não perseguir o centro da meta”, diz. “Mesmo que isso [processo de convergência] leve mais tempo do que inicialmente esperado.”
Ele ressalta que “em tese” essa postura poderia ocorrer em qualquer regime de meta de inflação, não apenas no modelo de alvo contínuo. “Quando isso fica claro para os participantes do mercado, para os investidores, mais uma vez, custa credibilidade da autoridade monetária. Então, não é algo feito impunemente”, acrescenta.
Mello destaca ainda os mecanismos de “compliance” (conformidade) que orientam a atuação do BC, incluindo o modelo de prestação de contas em caso de estouro da meta de inflação.
Sempre que descumprir o objetivo, a autoridade monetária deverá escrever uma carta aberta endereçada ao ministro da Fazenda, como ocorre hoje, e publicar uma nota no Relatório de Política Monetária atual RTI (Relatório Trimestral de Inflação).
O secretário cita também a comunicação do BC com o mercado financeiro e a relação da instituição com o Congresso Nacional. Conforme a lei de autonomia, em vigor desde 2021, o chefe da autoridade monetária tem de prestar esclarecimentos aos parlamentares ao menos duas vezes ao ano.
A mudança do sistema de metas de inflação foi formalizada com a publicação de um decreto assinado por Lula em 26 de junho, um ano depois do anúncio feito pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda).
NATHALIA GARCIA / Folhapress