SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Museu do Louvre, França. Em frente à majestosa pirâmide de vidro, em meio aos transeuntes, está um carrinho de bebê rosa choque. Dentro, uma mulher adulta com os cabelos cacheados balançando com o vento usa um casaco branco e segura um balão também rosa. Nele, está escrito “A Babá Quer Passear”.
Trata-se de uma performance da atriz Ana Flavia Cavalcanti. Vira e mexe ela repete a jornada em locais públicos, como o Aeroporto de Guarulhos (SP) ou na orla de Copacabana, na zona sul do Rio. A ideia é discutir a condição das trabalhadoras domésticas no Brasil.
“Fala-se muito pouco sobre esse tema”, avalia a artista em entrevista ao F5. “Minha mãe foi faxineira a vida toda. Eu também fui faxineira e babá, e é um tema em que conseguimos fazer um recorte com o racismo. Acredito mesmo que seja um assunto importante e que precisamos discutir.”
Ana Flavia lembra que começou a trabalhar como babá aos 8 anos. Nessa época, ela morava em Atibaia, interior de São Paulo, e, um dia, uma vizinha bateu na porta da casa e fez a proposta. “A gente na favela cresce muito rápido, é uma criança cuidando de outra criança”, afirma.
“Uma criança não é para trabalhar, é para brincar. Não acho que se perde a infância, mas você descobre a vida adulta antes”, afirma. Posteriormente, uma das famílias para a qual a mãe dela, Val Cavalcanti, trabalhava queria alguém para ficar o dia todo. E lá foi a jovem.
Depois, Ana Flavia foi trabalhar com outras coisas, mas a experiência foi marcante em sua vida. Ela relembra especialmente uma contradição: seu patrão repetia que ela precisava estudar.
“Eu trabalhava muito, morava longe, pegava ônibus. Quando parava para comer, rapidinho, ele queria meio que fazer amizade comigo, e falava que eu precisava estudar, frisava muito”, conta. “E eu pensava: ‘O que ele está falando?’. Eu morava longe, ficava supercansada. É uma fala de uma pessoa sem noção nenhuma da realidade.”
A entrada nas artes foi aos 18 anos. Enquanto trabalhava em um salão de cabeleireiro, Ana Flavia conheceu um bailarino e ator e se inscreveu para a EAD (Escola de Arte Dramática) da Universidade de São Paulo.
“Era atendente, fazia escova e um pouco de tudo. Conheci ele nesse salão e eu ia trabalhar feliz sabendo que ia encontrá-lo, ele colocava um bolero e ficava dançando. Ele prestou [para a] EAD e eu pensei ‘também quero’. Trabalhei como recepcionista e fiz muitas coisas para sobreviver em São Paulo”, relembra.
CONFORTO E SEXUALIDADE
Hoje, Ana Flavia fala sobre esse período na peça “Conforto”, em que atua ao lado da mãe, Val Cavalcanti, já aposentada da vida de doméstica. Val canta e conta sobre a profissão que ficou no passado. A temporada terminou no início do mês de junho, mas algumas apresentações ainda vão acontecer ao longo do mês de julho e agosto em algumas cidades paulistas.
“Criei em novembro do ano passado, e ela [Val] faz a peça comigo. Hoje ela é atriz –e é louco vê-la anos depois ela em uma segunda profissão. Ela é muito respeitada e é paga dignamente. Ela adora o cachê (risos).”
Ana Flavia, que hoje mora em Santa Teresa, bairro histórico do Rio, em uma casa cercada de vegetação, diz pagar em média R$ 350 reais por uma faxina. “Não tenho faxineira, mas, quando preciso contratar alguém, pago isso. Considero uma diária justa por um dia.”
Bissexual, ela afirma que é muito próxima da mãe e que nunca sofreu nenhum tipo de problema com os pais, que define como “mente aberta”. “Desde criança sempre fui bissexual, quando fiz 13 anos me apaixonei pela Isabel, minha primeira namorada. Aos 16, meus pais me emanciparam para eu poder trabalhar e, no cartório, eu estava com uma namorada. Então sempre foi tranquilo.”
Neste ano, a atriz esteve no Festival de Cannes com o filme “Baby”, dirigido pelo cineasta mineiro Marcelo Caetano. Para ela, é uma demonstração da força do cinema nacional. Foi um retorno ao país no qual morou por um ano, entre 2011 e 2012, para estudar no Théâtre du Soleil, em Paris.
A produção se passa no centro de São Paulo e conta a história de Pedro (João Pedro Mariano), um garoto gay que se vê sozinho no mundo após deixar a Fundação Casa, para onde são encaminhados os infratores menores de 18 anos. Em meio a andanças, ele encontra o michê Ronaldo (Ricardo Teodoro) e se apaixona por ele.
Ana interpreta Priscilla, ex-esposa de Ronaldo, hoje casada com Jana (Bruna Linzmeyer). Os quatro acabam construindo uma família. No festival francês, Ricardo ganhou o prêmio de ator revelação na Semana da Crítica, mostra paralela que reúne filmes de diretores iniciantes.
Na TV, Ana Flavia está no ar nas séries “Os Outros” e “Sob Pressão”, ambas do Globoplay. No segundo semestre, ela vai atuar em “Garota do Momento”, próxima novela das seis da Globo.
MARIA PAULA GIACOMELLI / Folhapress