Inflação sobe após 5 recuos na Argentina, imersa nos efeitos colaterais de Milei

BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – Após uma sequência de cinco recuos, a inflação mensal na Argentina, assunto que até há muito pouco tempo era a preocupação número 1 da população local, teve ligeiro aumento no último mês de junho, mostram os dados oficiais divulgados nesta sexta-feira (12).

O indicador ficou em 4,6% e o acumulado do semestre, em 79,8%. Em maio, o dado mensal chegou a 4,2%, o menor valor em dois anos. Foi um aumento esperado e compreendido entre a comunidade econômica como algo normal em meio ao processo de estabilização do país e guiado principalmente pela recomposição dos preços de serviços.

A questão, como sempre, é o “timing”. Enquanto o governo esperava um rescaldo de celebrações após enfim aprovar seu pacote liberal no Congresso depois de seis meses de tentativas, a maré esteve mais para apreensões. São as dúvidas sobre os efeitos colaterais do choque.

A agenda econômica da Casa Rosada relegou ao país consequências que vão do aprofundamento da recessão a um aumento do desemprego. A desigualdade social também cresceu, com redução da renda entre as camadas mais baixas, e o investimento direto em setores-chaves caiu.

Nas últimas semanas, em nada contribuiu o aumento da chamada brecha cambial, a diferença de preços entre o dólar oficial e os tantos outros que circulam na economia argentina. Esse cálculo superou 50%. É uma breve janela de alento para turistas que estão no país, mas um mau sinal para um governo que promete achar o equilíbrio e, quem sabe, dolarizar a economia (não há nenhum prazo para isso).

E quando até um de seus principais aliados políticos faz um aviso público, é sinal de que esse cenário realmente desperta preocupação. Na última semana, o cutucão no governo veio por parte do ex-presidente Mauricio Macri, líder do Pro (Proposta Republicana), a sigla que torna possível o avanço de medidas legislativas de Milei em um Congresso no qual o governista Liberdade Avança é nanico.

Relatório do think tank ligado ao partido macrista, a Fundação Pensar, disse que a queda da inflação e do risco-país e os seguidos superávits são de fato muito positivos, mas que estes meses sob Milei “semeiam mais dúvidas do que certezas”. Listam o aumento do desemprego e da pobreza, o salto na brecha cambiária, e a queda no consumo.

Para o analista Gustavo Perego, diretor de negócios da consultoria Abeceb, baseada em Buenos Aires, os louros da política de Milei estão em colocar em prática um processo de emissão zero de moedas.

“Há cada vez mais gatilhos de emissão monetária, e a inflação, a despeito do ligeiro aumento, tende a seguir em processo descendente, com convergência de 2% ao mês no final do ano”, diz o especialista em finanças e relações internacionais.

“A economia da Argentina não funciona com processos graduais de mudanças porque é bimonetária. Diante de qualquer receio, refugiava-se no dólar. Era preciso mudar a matriz”, ele responde quando a reportagem pergunta sobre o impacto das mudanças.

Perego e outros analistas projetam que a partir de 2025 o cenário comece a mudar, com um adeus gradual à recessão.

A questão é o que acontece até lá.

Milei se vê pressionado para anunciar a retirada do “cepo”, o emaranhado de restrições cambiais que pode impedir desde o cidadão comum de comprar dólares até o importador de grande porte de fazer seus pagamentos ao exterior na moeda forte da economia global.

Enquanto esse pesadelo do mercado local se sustenta, o investimento produtivo que outras medidas colocadas em prática por Milei buscam acelerar é desincentivado. Em sua única vitória legislativa até aqui, o governo aprovou dois mecanismos que visam a atração de investimento e dinheiro para o território argentino.

Um, o Rigi, um regime de incentivo de grandes investimentos nos setores industriais que beneficia o investidor com fatores como isenção de impostos. Outro, um processo legal de lavagem de dinheiro que permitirá que montantes de até US$ 100 mil até então não declarados sejam legalizados com alíquota zero. Causa surpresa aos brasileiros, mas é um processo bem comum na história argentina.

Milei faz menção frequente à retirada do cepo, mas nunca com um prazo. Durante evento de aniversário da Bolsa de Comércio de Buenos Aires nesta semana, disse que seu objetivo é fazer da Argentina “o país mais livre do planeta Terra”.

“Quando terminarmos o processo de estabilização e abrirmos o cepo, isso potencializará o crescimento econômico porque vai permitir investimento externo.”

Na arena social, essa demora cria uma panela de pressão, ainda que em diferentes pesquisas o presidente bata 50% de apoio popular. O desemprego marcou 7,7% no primeiro semestre, aumento de 0,8 ponto percentual em relação ao mesmo período do ano anterior. A desigualdade cresceu.

Neste mesmo período, a renda per capita das famílias caiu cerca de 20,8%, mostra um estudo da Universidade Católica Argentina, uma das mais prestigiadas do país. Mas foi uma queda desigual na pirâmide social: para os 20% mais ricos, a perda foi de 17,9%. Para os 20% mais pobres, de 27,8%.

O que todos se perguntam, além do prazo para a saída do cepo e o alavancar dos investimentos, é por quanto tempo a população aceita remoer esse cenário.

MAYARA PAIXÃO / Folhapress

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