Enchentes derrubam indústria e turismo no RS, mas impacto no PIB pode ser menor que esperado

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – As enchentes de maio derrubaram atividades como indústria e turismo no Rio Grande do Sul, indicam dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Mesmo assim, analistas afirmam que o reflexo da catástrofe climática no PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil tende a ser menos intenso que o esperado inicialmente.

Na avaliação deles, a economia nacional ainda mostrou sinais de força em maio, apesar do desastre no estado, que já teria apresentado indícios de alguma retomada em junho.

Nesta sexta-feira (12), o instituto informou que o volume do setor de serviços no Brasil ficou estável no quinto mês do ano, com variação nula (0%) ante abril, após dois avanços consecutivos.

O resultado veio melhor do que a expectativa do mercado financeiro, que era de baixa de 0,8%, de acordo com pesquisa da agência Reuters.

“Esse resultado mostra que, apesar dos temores sobre o impacto das enchentes no Rio Grande do Sul, os nossos dados de atividade econômica em maio foram relativamente bem, impulsionados pelo consumo das famílias”, disse o economista Igor Cadilhac, do PicPay.

A economista Claudia Moreno, do C6 Bank, fez uma leitura semelhante. “Havia uma certa preocupação com o efeito que as chuvas no Rio Grande do Sul poderiam causar para atividade econômica. Os dados do comércio e de serviços mostraram que o impacto foi menor do que o esperado”, afirmou.

De acordo com Moreno, os números mais recentes sugerem que o PIB do segundo trimestre pode crescer mais de 1% no Brasil -o resultado será divulgado pelo IBGE no dia 3 de setembro.

“Adicionamos viés de alta para nossa projeção de crescimento de 2,2% para o PIB de 2024”, declarou Moreno.

No Rio Grande do Sul, o volume de serviços avançou 0,6% na passagem de abril para maio, conforme o IBGE. O instituto, contudo, ponderou que ainda é preciso aguardar novos dados para entender a real dimensão das enchentes.

Ao tocar nesse ponto, Rodrigo Lobo, gerente da pesquisa do IBGE, lembrou que o cálculo do volume usa a variação dos preços para deflacionar as receitas nominais obtidas com a prestação de serviços.

A questão é que, segundo o instituto, o mês de maio teve queda brusca dos preços de pedágios no estado (-86,18%), o que beneficiou o volume de serviços de concessionárias de rodovias e transportadores de cargas.

A cobrança de tarifas chegou a ser paralisada em estradas locais para facilitar o escoamento de mercadorias, incluindo doações.

Considerando a receita nominal, ou seja, sem o ajuste pela inflação, o setor de serviços teve queda de 13,6% no Rio Grande do Sul em maio, enquanto a redução no Brasil foi bem menor, de 0,3%.

“O volume será melhor compreendido no Rio Grande do Sul quando o distúrbio no nível de preços estiver exaurido”, disse Lobo. “O resultado de 0,6% fica contaminado por uma distorção no nível de preços”, acrescentou.

TURISMO CAI MAIS NO RS DO QUE NO BRASIL

Ainda no setor de serviços, o índice de volume de atividades turísticas despencou 32,3% no Rio Grande do Sul em maio, apontou o IBGE. O órgão associou o resultado às enchentes.

No Brasil, o mesmo índice teve uma variação bem menos negativa em maio: -0,2%. O Rio de Janeiro mostrou o principal crescimento do turismo ante abril (2,5%).

O IBGE destacou que fatores como Dia das Mães e grandes eventos, incluindo o show da cantora Madonna no Rio, beneficiaram o consumo de serviços prestados às famílias no país. O volume desse componente cresceu 3% em maio no Brasil.

RS AMARGA TOMBO HISTÓRICO NA PRODUÇÃO INDUSTRIAL

O instituto também divulgou nesta sexta dados regionais da produção industrial. Em maio, o indicador teve um tombo de 26,2% no Rio Grande do Sul.

Trata-se da queda mais intensa da série histórica local, com dados desde janeiro de 2002. O IBGE lembrou que o estado teve paralisação total ou parcial de fábricas devido às enchentes.

Na média do Brasil, a produção industrial recuou bem menos em maio. A baixa foi de 0,9% ante abril, segundo dados que já haviam sido publicados na semana passada pelo IBGE. O mercado esperava uma queda mais intensa, de 1,7%, conforme pesquisa da agência Reuters.

“O resultado de maio foi influenciado pelas chuvas no Rio Grande do Sul, mas acreditamos que esse impacto será limitado. Os dados preliminares de atividade do mês de junho já sinalizam uma recuperação da economia”, afirmou a economista Claudia Moreno, do C6 Bank.

Na quinta (11), o IBGE divulgou os resultados das vendas do varejo. No Brasil, o volume cresceu 1,2% em maio ante abril, surpreendendo analistas que esperavam recuo de 0,9% em pesquisa da Reuters.

O mesmo indicador teve alta de 1,8% no Rio Grande do Sul, apesar da paralisação de lojas em meio à tragédia ambiental.

De acordo com o IBGE, o temor de falta de produtos ocasionou uma corrida de consumidores aos supermercados gaúchos.

Além disso, a compra de mercadorias para doações a famílias atingidas pelas enchentes, não só em supermercados, também teria impulsionado o resultado local.

“Os dados têm mostrado que, no agregado, o impacto das enchentes não foi extremamente agressivo. Obviamente, no Rio Grande do Sul, dependendo da variável analisada, a queda foi mais forte”, diz Sergio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados.

Ele manteve as projeções de avanço de cerca de 0,5% para o PIB brasileiro na passagem do primeiro para o segundo trimestre e de alta de 2,2% no acumulado deste ano.

LONGO PRAZO É DESAFIO PARA RS, DIZ ECONOMISTA

Na visão de Vale, a economia gaúcha já deu sinais de reação em junho. Como exemplo desse movimento, o economista cita dados do Relatório de Inflação do BC (Banco Central).

No documento, a autoridade monetária cita indícios de uma melhora em indicadores como o de empresas que receberam pagamentos via cartão de débito ou Pix no estado após o pior momento das enchentes.

“O que continua para o Rio Grande do Sul é uma questão de longo prazo: se vai se reconstruir e em que bases, quais serão os incentivos para a população permanecer. O estado está sofrendo há muitos anos com o clima. A questão estrutural permanece”, diz Vale.

“Agora, no curto prazo, a retomada conseguiu minimizar o efeito dramático. Como provavelmente teremos aumento da construção civil nos próximos meses, a recuperação deve continuar. Provavelmente veremos um impacto muito minimizado na atividade como um todo do país neste ano”, completa.

Conforme Vale, os efeitos inflacionários das fortes chuvas já deram sinais de perda de força, enquanto as despesas públicas necessárias para conter os prejuízos seguem como desafio para o governo federal.

“O déficit subiu com força em maio. A ajuda ao Rio Grande do Sul é necessária, tinha de acontecer. A política fiscal existe justamente para isso, mas talvez seja a variável que mais sentirá no acumulado do ano”, afirma.

Após o IBGE divulgar a pesquisa de serviços, o economista Gabriel Couto, do banco Santander, apontou que o setor ainda mostra resiliência no país, apesar das enchentes no Rio Grande do Sul.

De acordo com Couto, o segmento segue impactado pelo desempenho do mercado de trabalho e por ganhos salariais. Ele indicou que o efeito da tragédia gaúcha pode estar mais concentrado em atividades específicas, como é o caso do turismo.

De acordo com o economista Igor Cadilhac, do PicPay, o avanço do varejo e a estabilidade dos serviços no Brasil devem contrabalançar o recuo da indústria.

Ele disse que o mês de maio “melhor do que o esperado” traz viés de alta para a projeção de PIB no segundo trimestre (0,3%) e no fechamento do ano (2,1%).

Na quinta, o IBGE também divulgou sua estimativa de junho para a safra agrícola do país em 2024.

Segundo o órgão, a previsão foi reduzida para 295,9 milhões de toneladas neste ano devido a problemas climáticos mais graves do que os imaginados anteriormente.

Uma das ocorrências é a das enchentes no Rio Grande do Sul, cujos efeitos ainda não foram totalmente dimensionados pelo levantamento.

LEONARDO VIECELI / Folhapress

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