WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – O ataque a tiros contra Donald Trump neste sábado (13) deve dar contornos heroicos à oficialização de sua candidatura na convenção nacional do Partido Republicano, que começa na segunda-feira (15).
A legenda deve aproveitar o evento para amplificar a narrativa de que o ex-presidente é perseguido politicamente e virar o jogo contra a estratégia de Joe Biden de acusá-lo de ser uma ameaça à democracia dos Estados Unidos.
Logo nas primeiras horas após o ataque, a campanha de Trump enviou uma mensagem clara do líder: “Eu nunca vou me render!”. Na manhã deste domingo, um segundo texto, inteiramente em letras maiúsculas, dizia: “Não temam”.
O discurso ecoa uma frase que, dita pelo ex-presidente há cerca de um ano, após ser acusado criminalmente pela primeira vez, hoje estampa uma das paredes do local onde acontecerá a convenção: “Eles não estão vindo atrás de mim. Eles estão vindo atrás de você… E eu estou apenas no caminho deles!”.
“Os republicanos vão usar a convenção para argumentar que o país é violento e está desmoronando. Vão dizer que Trump é ‘nosso grande líder’, que ele quase foi martirizado, mas é muito forte”, afirma à Folha Alex Keyssar, professor de história e política social na Universidade Harvard.
O evento partidário acontece em Milwaukee, no Wisconsin, estado-pêndulo em que a disputa com Biden está mais acirrada. A campanha de Trump já deixou claro que o ataque de sábado não alterou os planos do presidente de participar do evento. Entre republicanos, a mensagem é de união total em torno do seu indicado.
O contraste com Biden e a crise democrata não poderia ser maior –ou melhor para Trump.
Ex-estrategista de Barack Obama, David Axelrod vai na mesma linha de Keyssar. Em entrevista à CNN, o analista também disse que Trump será recebido como um mártir no evento, e que o clima pode ser tanto de mais raiva quanto de mais taciturno. “Mas com certeza a convenção não vai mais ser a mesma”, completou.
Uma imagem compartilhada por Lara Trump, nora do empresário e co-diretora do Comitê Nacional Republicano, é ilustrativa. Nela, Jesus Cristo aparece atrás do candidato, ao lado de uma bandeira americana. “Não tema, porque eu estou com você”, diz a frase que acompanha a publicação.
“Se [o tiro] tivesse sido [atingido] menos de 0,5 polegada [1,3 cm] para a direita, ele não teria sobrevivido”, escreveu o governador do Texas, o republicano Greg Abbott, em seu perfil no X. “Trump é realmente abençoado.”
A convenção vai até quinta (18), quando o candidato deve fazer o aguardado discurso em que aceita a nomeação. São esperadas cerca de 50 mil pessoas na cidade.
Serão quatro dias de exposição midiática intensa, cada um deles voltado para um eixo de campanha. Na segunda, o tema é “torne a América rica de novo”; na terça, “segura de novo”; na quarta, “forte de novo”; e, finalmente, na quinta, “torne a América ótima de novo” -o slogan de Trump cuja sigla em inglês batiza seus leais apoiadores, o movimento Maga.
Já estava nos planos do partido aproveitar essa projeção para rebater a condenação de Trump na Justiça e os outros três processos criminais pendentes contra ele, reforçando a acusação, sem provas, de que o ex-presidente é alvo de perseguição por procuradores democratas que supostamente agem a mando de Biden.
A tentativa de assassinato potencializa esse discurso, servindo como argumento de que o empresário é uma vítima. Em meios conservadores, já circulam teorias da conspiração associando o atirador suspeito a democratas.
Seguindo esse mesmo raciocínio, nomes importantes do Partido Republicano já jogaram a culpa do ataque em Biden, afirmando que as acusações feitas pelo democrata de que Trump é uma ameaça à democracia impulsionaram a violência. Na última segunda (8), em um evento com doadores, o presidente disse que “é hora de colocar Trump no alvo” –frase que têm sido revivida pelos republicanos.
“Hoje não foi apenas um incidente isolado. A premissa central da campanha de Biden é que o presidente Donald Trump é um fascista autoritário que deve ser parado a todo custo. Essa retórica levou diretamente à tentativa de assassinato do presidente [sic] Trump”, escreveu o senador J.D. Vance, de Ohio, um dos principais cotados para assumir a vice-presidência na chapa republicana.
“Por semanas, os líderes democratas têm alimentado uma histeria absurda de que a reeleição de Donald Trump seria o fim da democracia na América”, disse o líder da maioria republicana na Câmara, Steve Scalise. “Claramente, já vimos lunáticos da extrema esquerda agirem com retórica violenta no passado. Essa retórica incendiária deve parar.”
A campanha de Biden já suspendeu propagandas com ataques a Trump e, ao menos por ora, vai precisar repensar sua estratégia. A acusação de que o republicano é um risco para a democracia, considerando sua recusa em aceitar a derrota em 2020 e a invasão do Capitólio, é um carro-chefe da campanha democrata.
“Uma grande maioria dos americanos acredita que a oposição política doméstica quer destruir a democracia. Isso é o pior tipo de coisa que pode acontecer em um ambiente polarizado”, avalia o analista político Ian Bremmer, fundador da Eurasia Group, consultoria de risco político dos EUA, em um vídeo postado no X.
São esperados 2.429 delegados no encontro, sendo que 2.265 são obrigados a votar em Trump por ele ter vencido as primárias em seus estados. Dos restantes, 104 podem escolher o candidato que quiser. Além deles, outros 97 deveriam votar em Nikki Haley por sua vitória nas prévias de seus respectivos estados, mas na semana passada a republicana já os liberou dessa obrigação e incentivou-os a votar no empresário.
A inclusão de Haley na programação foi feita após o ataque, em um gesto para demonstrar a união do partido. Além de Trump, os discursos previstos são os de aliados próximos do ex-presidente. A agenda inclui ainda uma sessão de autógrafos com Donald Trump Jr., filho do candidato. Melania, a esposa do ex-presidente, que tinha praticamente sumido da campanha, também deve participar da convenção.
A outra grande notícia será o anúncio do vice na chapa republicana. O escolhido deve fazer um discurso na quarta (17). Os três principais cotados são o governador da Dakota do Norte, Doug Burgum, e os senadores Marco Rubio e Vance.
Programa de governo mira imigrantes
O programa de governo elaborado por Trump, que deve ser aprovado durante a convenção, baseia-se na ideia de uma erosão do país. O documento, de apenas 16 páginas, é permeado de frases inteiras em letras maiúsculas e muitas exclamações, no estilo do empresário.
“Nós somos uma Nação em GRAVE DECLÍNIO. Nosso futuro, nossa identidade e nosso próprio estilo de vida estão sob ameaça como nunca antes”, diz o texto, que tem como principal alvo imigrantes em situação irregular.
O controle da fronteira e a deportação em massa aparecem diversas vezes como soluções não só para coibir o fluxo, mas também para reduzir a inflação e a criminalidade -embora pesquisas mostrem que imigrantes contribuíram para segurar a alta de preços e têm uma taxa de encarceramento muito menor do que o restante dos americanos.
Para alcançar esses objetivos, o programa prevê o deslocamento de tropas americanas no exterior para a fronteira com o México, o término da construção do muro que separa os EUA do país, e a retomada das restrições à entrada nos EUA de cidadãos de países muçulmanos, chamados de “jihadistas” e “simpatizantes de jihadistas” no texto.
As 20 promessas incluem ainda construir um escudo de defesa antimísseis como o Domo de Ferro israelense sobre o território americano, retomar a exploração de petróleo em larga escala, acabar com regulamentações ambientais na indústria automobilística e mudar regras de votação, passando a exigir título de eleitor e eliminando o voto por correio.
São previstos também cortes de impostos, imposição de tarifas para importação, incentivos à indústria, revogação de regulamentações de criptomoedas e inteligência artificial, criação de alternativas de qualificação ao curso universitário (não detalhadas) e a eliminação do Departamento de Educação.
Há ainda a promessa de criação de uma força-tarefa nacional para investir na discriminação contra cristãos.
No entanto, há uma quebra importante com a agenda conservadora: a posição em relação ao aborto. Em vez de condenar o procedimento, como feito em programas anteriores do partido, o texto defende que estados tenham autonomia para regulamentá-lo, e diz se opor apenas a abortos quando a gestação está perto do fim (fenômeno praticamente inexistente).
“Trump manobrou isso porque ele percebe o quanto uma tentativa de impor uma proibição nacional ao aborto seria impopular”, diz o cientista político Gary Jacobson.
Perguntas e respostas sobre a convenção
Quando e onde acontece a convenção nacional republicana?
O encontro começa nesta segunda (15) e termina na quinta (18) em Milwaukee, a maior cidade de Wisconsin, estado localizado no norte dos EUA e em que a disputa está mais acirrada entre Trump e Biden.
Qual é a programação?
Na segunda, o tema é “torne a América rica de novo”, na terça, “segura de novo”, na quarta, “forte de novo” e, finalmente, na quinta, “torne a América ótima de novo”. O vice de Trump deve fazer um discurso na quarta, e o ex-presidente, na quinta.
Há ainda uma série de eventos paralelos, como sessão de autógrafo de livros, cafés da manhã, almoços e jantares para networking patrocinados por diferentes organizações, exibição de filmes, festas e até um tour pelo museu da Harley Davidson.
A agenda completa pode ser acessada aqui.
O que faz uma convenção?
O evento é largamente simbólico. Ele serve para oficializar a chapa do partido à Presidência, confirmando o vitorioso das primárias estaduais. Há também a votação de um programa de governo, apresentado pela campanha.
Mas a principal relevância da convenção é a exposição que ela dá tanto ao candidato do partido quanto a outros nomes em ascensão, que batalham por um espaço para discursar. O evento recebe ampla cobertura da imprensa e atrai a atenção de um eleitorado mais amplo.
Quem participa da convenção?
São 2.429 delegados, que representam todos os estados e territórios americanos, além de políticos, familiares de Trump e outros nomes ligados ao ex-presidente e ao partido. Somam-se ainda centenas de jornalistas do mundo todo. A cidade espera receber, no total, 50 mil pessoas.
FERNANDA PERRIN / Folhapress