SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O prefeito Ricardo Nunes (MDB) foi acusado em 2011 de violência doméstica, ameaça e injúria pela esposa, Regina Carnovale Nunes, com quem segue casado até hoje.
Nesta segunda-feira (15), durante sabatina Folha/UOL, ele afirmou que o boletim de ocorrência feito por sua esposa sobre o caso “é forjado”.
Trata-se de uma nova versão do prefeito de São Paulo sobre o caso, marcado por recuos e contradições. O caso foi revelado em 2020 pela Folha. À época, Nunes era vereador e disputava a eleição como vice de Bruno Covas (PSDB).
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O que ocorreu em 2011?
Em 18 de fevereiro de 2011, Regina registrou boletim de ocorrência contra o então vereador Ricardo Nunes, na 6ª Delegacia da Mulher, em Santo Amaro, zona sul de São Paulo.
Na ocasião, ela afirmou aos policiais que havia vivido em união estável por 12 anos com Nunes e que eles tinham se separado sete meses antes do registro “devido ao ciúmes excessivo” dele.
“Inconformado com a separação, [Nunes] não lhe dá paz, vem efetuando ligações proferindo ameaças, envia mensagens ameaçadoras todos os dias e vai em sua casa onde faz escândalos e a ofende com palavrões. Afirma a vítima que diante da conduta de Ricardo está com medo dele”, diz um dos trechos do boletim de ocorrência registrado por Regina.
Como Nunes reagiu à época?
Ainda em 2011, Nunes também foi à polícia e registrou um boletim de ocorrência menos de mês após o registro em nome de Regina. O boletim por lesão corporal feito pelo atual prefeito diz que, na ocasião, “em conversa referente à pensão, veio a autora [Regina] por agredir a vítima [Ricardo Nunes]”.
As alegações da esposa de Nunes ficaram apenas no boletim de ocorrência?
Não. A reportagem também teve acesso a registros de publicações em redes sociais nas contas de Regina. Os posts em seu nome relatam brigas por pensão alimentícia, chamam o político de bandido e dizem que tem provas de que sofreu agressões.
“Como um político pode ser bom para o povo se ele não consegue ser bom nem pra ex-mulher e filha no qual viveu por 17 anos e exatamente isso um lobo fingindo ser um cordeiro”, diz uma das publicações.
“Acabei de receber voz de prisão do vereador Ricardo Nunes tudo porque fui cobrar a pensão da minha filha que tive com ele que é de direito dela (…) um Bandido que não ajuda a própria filha enquanto banca tudo quando é festa e finge ser um homem bom esse é o politico que esta no poder nem a própria filha ajuda”, diz um outro post em rede social de Regina.
Nos comentários na rede social, o perfil de Regina responde a uma pessoa que pede para ela ter cuidado. “Amiga tenho provas de que ele sempre me bateu e sempre foi um crápula.”
O que eles disseram em 2020 quando o caso foi revelado pela Folha de S.Paulo?
O então vereador negou qualquer agressão e disse que o boletim de ocorrência foi feito em um período em que Regina estava abalada e falou coisas que não aconteceram.
“Não fiz e jamais faria nenhum tipo de agressão contra minha esposa ou qualquer pessoa”, disse Nunes, que completa ter enfrentado, “como qualquer casal, momentos difíceis.”
“No período [do registro policial] ela estava emocionalmente abalada, e sem controle das ações e sentimentos, o que a levou falar coisas que não aconteceram. Ela, aqui do meu lado, diz que nunca foi agredida seja verbal ou fisicamente por mim”, afirmou Nunes em nota em 2020.
“O momento de mágoas misturado pelo amor que temos um pelo outro acabou gerando um desentendimento, com ela exaltada, que me levou a fazer o BO [boletim de ocorrência].”
O então vereador acrescentou que o boletim de ocorrência dependeria de uma representação. Como isso não ocorreu, o caso foi arquivado.
“Eu fiz [o registro na polícia] no momento de calor numa fase muito difícil que estávamos passando, assim como muitos casais também passam. É um fato muito antigo, de 2011, mas que foi superado e que vivemos bem com muito amor e carinho. Amo a minha esposa.”
Em 2020, à Folha de S.Paulo, Regina também enviou uma nota, assinada de próprio punho, negando as agressões.
“Sobre o boletim, eu estava em um momento difícil, muito sensível e acabei dizendo coisas que não são reais, tanto é que estamos juntos há mais de 20 anos, sendo que esse boletim foi feito em 2011, 9 anos atrás. Amo meu marido e vivemos com nossos filhos em perfeita harmonia”, diz ela.
Sobre as publicações no Facebook, ela afirmou que o site foi hackeado e que não fez as publicações, que teriam sido para prejudicar o marido.
Nunes também disse que a página foi invadida por hackers em 2014 ou 2015, quando as publicações foram feitas e apagadas logo em seguida.
“É possível verificar a maldade e intenção de me prejudicar, pois os fatos ocorrem por meados de 2014/2015 e, mesmo após anos, a pessoa tem um print com o propósito de persistir na intenção de me difamar”, afirmou.
Qual foi o recuo da esposa de Nunes?
Um mês após a reportagem da Folha de S.Paulo, publicada em outubro de 2020, Regina mudou sua versão sobre denúncia contra o marido e disse não se lembrar de ter feito um boletim de ocorrência policial sobre o tema.
A nova versão de Regina foi dada em novembro de 2020, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo. “Não me lembro de feito aquele boletim de ocorrência”, disse ao jornal. “Não sei se apagou da minha memória porque eu estava muito nervosa.”
“Mas eu não me recordo de ter ido até a delegacia fazer um B.O. contra ele. Se eu tivesse ido até uma delegacia, eu iria lembrar do delegado, de quem me atendeu, enfim.”
Regina deu entrevista ao jornal ao lado do marido, que também falou sobre outro boletim de ocorrência policial, registrado por ele contra ela. “Naquele período, há dez anos, a gente teve um desentendimento. Minha esposa é italiana [risos]. Aqui em casa quem manda é ela”, disse.
“Mas não houve nenhum tipo de agressão minha contra a Regina. Teve um momento que a gente estava um pouco alterado e teve aquele outro B.O. que eu fiz. O importante é que isso tudo foi superado. Nunca houve essa agressão.”
Posteriormente, em 2021, quando Nunes já era prefeito, ele afirmou no programa Roda Viva que a esposa afirmou nunca ter registrado o boletim, sendo confrontado pela apresentadora Vera Magalhães.
“Ela diz que nunca ocorreu. Ela fez a contratação de um advogado para solicitar na delegacia esse documento, que não existe. O provimento diz que tem que ficar 20 anos arquivado, que não tem”, disse Nunes.
Qual a nova versão Nunes?
O prefeito afirmou nesta segunda-feira que o boletim foi “forjado”, ao ser questionado sobre o tema durante sabatina Folha/UOL. Na entrevista, feita pelas jornalistas Fabíola Cidral e Raquel Landim, do UOL, e Carolina Linhares, da Folha de S.Paulo, ele demonstrou irritação.
“É uma irresponsabilidade [a sabatina] trazer uma coisa dessa. A Regina já falou que ela não fez [o boletim de ocorrência]. Ela contratou um advogado, eu até separei o material para te entregar. O advogado entrou com a petição dizendo que queria, então, esse boletim de ocorrência assinado. Veio a resposta da delegacia que não existe esse boletim de ocorrência [assinado]”.
Ao ser indagado se o documento foi forjado, ele respondeu: “É óbvio que é forjado”.
Ao final da sabatina, Nunes apresentou um documento no qual a Polícia Civil afirma que a via original assinada não foi localizada. Porém confirma que, em livro de registro de ocorrências, foi encontrada a escrituração do boletim, “o qual foi registrada sua entrada na data de 04.03.2011, tendo a autoridade policial à época dos fatos proferido o despacho: ‘intimar a vítima'”.
Uma outra certidão da polícia afirma que consta em livro de ocorrências boletim de 2011, que “versa sobre ameaça e injúria no âmbito de violência doméstica, e tem como partes Regina Maria Carnovale, ora vítima e Ricardo Luís Reis Nunes, ora autor, tendo como solução: o encaminhamento do registro para a Delegacia de Polícia de Embu-Guaçu (local dos fatos)”.
O que diz a Secretaria de Segurança Pública?
Questionada pela reportagem sobre a possibilidade de o boletim de ocorrência ser forjado, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo afirmou que Regina de fato esteve na 6ª Delegacia da Mulher para prestar queixa e que a Polícia Civil garante a legitimidade dos boletins de ocorrência.
“O caso em questão foi registrado pela 6ª Delegacia de Defesa da Mulher, em fevereiro de 2011. Na ocasião, a vítima compareceu na unidade especializada para comunicar os fatos e a ocorrência foi encaminhada à Delegacia de Embu Guaçu, responsável pela área dos fatos. Contudo, havia necessidade de representação contra o autor, o que a vítima não fez”, diz a nota.
A representação é uma manifestação, que pode ser feita pela vítima ou por seu advogado, em que ela autoriza a instauração do inquérito policial e de uma ação penal. Segundo a secretaria, na época do ocorrido, era necessária a representação para que o caso tivesse andamento.
ARTUR RODRIGUES / Folhapress