SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Dar mais voz e ferramentas de financiamento nas discussões de meio ambiente ao chamado Sul Global é o que propõe um programa com investimentos de US$ 400 milhões (R$ 2,2 bilhões) e que irá contemplar o Brasil e mais cinco países.
A iniciativa é da Open Society Foundations, financiadora privada voltada para projetos de direitos humanos, justiça, democracia e equidade, fundada por George Soros. A duração prevista é de oito anos, e os projetos que vão ser selecionados devem começar a receber os recursos ainda em 2024.
À Folha, a economista Laura Carvalho, diretora global Prosperidade Econômica e Climática na organização, explica que há uma compreensão de que as questões econômicas estão relacionadas a uma crise da democracia.
“A percepção de que as políticas econômicas falham em entregar resultados concretos para as pessoas tem muito a ver com essa ascensão da extrema-direita no mundo”, afirma.
A especialista pondera que, apesar de as discussões sobre economia verde ocuparem hoje um espaço maior na agenda dos governos e da sociedade civil, elas ainda são dependentes do discurso dos países ricos.
Isso se dá, por exemplo, pela forma como os países mais desenvolvidos criam mecanismos de protecionismo comercial com base em métricas ligadas ao clima, que tornam-se mecanismos para impedir o desenvolvimento do Sul Global.
“Muito se fala dessa retomada da política industrial, mas os países em desenvolvimento são tratados, inclusive nos espaços multilaterais, com o olhar de que é preciso fazer algo para a transição climática. Mas pouco se faz para equipar esses países com aquilo que é necessário para implementar essas agendas”, diz.
O risco, de acordo com Carvalho, é ver as desigualdades regionais exacerbadas, com o Norte Global fomentando políticas econômicas que vão entregar resultados para os trabalhadores norte-americanos e europeus, em detrimento das populações de países em desenvolvimento.
“Só que também há uma oportunidade aqui, para que as boas estratégias sejam formuladas, desenvolvidas e adotadas por países em desenvolvimento”, avalia a economista.
Segundo a instituição financiadora, o programa deve apoiar agendas econômicas verdes e equitativas que não deixem de lado a necessidade de criar empregos e reduzir as desigualdades nos países em desenvolvimento nessas regiões.
Parte dele tem a ver com estruturar a forma de pensar acordos comerciais e de cooperação econômica entre países a nível regional e também de forma global, por meio da renovação de organismos como a OMC (Organização Mundial do Comércio), dando condições para que os países em desenvolvimento subam na escala do comércio exterior.
“Há dois pesos e duas medidas que marcam esses organismos multilaterais que também são objeto do que a gente quer tentar, a partir das doações, trabalhar para ajustar e tornar esses mecanismos mais justos. A ideia é ter mais representação, mais voz para o Sul Global e também mais propostas sólidas, vindas dos países em desenvolvimento para resolver esses problemas.”
Além do Brasil, vão ser contemplados México, África do Sul, Senegal, Malásia e Indonésia.
O programa não tem inscrição. As iniciativas serão escolhidas a partir de um mapeamento que considere o contexto de cada um dos países.
A intenção é que os agentes desses países também colaborem mais entre si, a partir de experiências locais -de indústrias limpas ao incentivo à energia renovável- e de dilemas semelhantes (como a substituição de combustíveis fósseis e o uso da terra para a agricultura).
Outro foco é o impacto da tributação e do financiamento internacional sobre o investimento em modelos de desenvolvimento sustentável, que têm recebido maior atenção da sociedade nos anos recentes.
“Pensamos em grandes planos de política industrial e agendas de desenvolvimento para o país como um todo, não vamos nos concentrar em apenas uma região, como a Amazônia. Se olharmos para o que está sendo feito na China ou nos Estados Unidos, é possível entender que o centro da agenda econômica hoje já está contemplando a questão climática.”
Nesse sentido, novos setores verdes de alta tecnologia podem ser beneficiários por essa transição e se tornar segmentos, por exemplo, com alto desempenho exportador em um país como o Brasil.
Na visão de Carvalho, o Brasil, tanto na política externa como na doméstica, entendeu a centralidade das discussões climáticas e desses desafios para o futuro, conforme as promessas de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O momento atual pretende abandonar a visão que prevalecia no governo de Jair Bolsonaro (PL), de que qualquer iniciativa que esteja olhando para os desafios ambientais e climáticos é contrária ao objetivo de desenvolvimento, diz a economista.
O tema do financiamento climático deverá ser o centro das discussões da COP29, a conferência das Nações Unidas para a mudança climática, que acontece em novembro, em Baku, capital do Azerbaijão.
O principal objetivo do evento será definir um novo valor a ser destinado pelos países ricos às nações em desenvolvimento para estruturar políticas para enfrentamento da crise do clima. O tema é delicado, se arrasta há anos e podem sobrar arestas a serem aparadas na COP30, que deve acontecer em Belém (PA).
DOUGLAS GAVRAS / Folhapress