SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) – As interações entre os neandertais e os primeiros seres humanos de anatomia moderna (Homo sapiens) poderiam ser descritas como o mais longo namoro-ioiô da história. Teriam acontecido ao menos três fases de acasalamento e afastamento entre as espécies ao longo de 200 mil anos, indica um novo estudo.
Nessas idas e vindas, a nossa espécie incorporou DNA neandertal em seu genoma, mas os neandertais também assimilaram material genético do H. sapiens, e isso só parou de acontecer quando a população deles ficou pequena demais, prefigurando seu desaparecimento.
A nova análise sobre os episódios de hibridização entre os dois tipos de humanos foi publicada no último dia 12 no periódico especializado Science. Coordenado por Joshua Akey, da Universidade de Princeton (EUA), o trabalho usou uma série de métodos estatísticos para investigar principalmente a incorporação de DNA de humanos modernos no material genético neandertal.
Esse lado da moeda é relativamente menos conhecido do que a sobrevivência de genes neandertais nas células de pessoas vivas hoje, algo confirmado desde 2010 nas populações não africanas. Os ancestrais de europeus, asiáticos e nativos das Américas e da Oceania se encontraram com o Homo neanderthalensis, então o principal hominínio (membro do grupo dos seres humanos) a habitar o Velho Mundo, quando deixaram seu berço na África.
Foi então que começaram a acontecer cruzamentos entre as espécies, e faz sentido que a mestiçagem deixasse marcas genéticas em ambas. Para tentar entender o lado dos neandertais nessa história, Akey e seus colegas se valeram do fato de que, até onde sabemos, a população do H. sapiens era consideravelmente mais numerosa que a dos neandertais, o que traz repercussões para a diversidade do DNA.
Ocorre que, grosso modo, quanto maior a população, mais cópias do genoma são produzidas, e maior a chance de que erros nesse processo de cópia produzam variantes de DNA. A variabilidade, portanto, deveria ser maior na população de humanos de anatomia moderna, mais numerosa, do que na dos neandertais.
Com base nessa lógica, Akey e seus colaboradores vasculharam os genomas neandertais já “lidos” até hoje em busca de regiões ricas em variabilidade genética para ser mais exato, as que apresentam duas versões diferentes do mesmo gene, uma oriunda do pai e outra da mãe do indivíduo.
A ideia é que tais áreas poderiam ter sido herdadas de pessoas da nossa espécie, e, para confirmar isso, os pesquisadores compararam o DNA dos humanos arcaicos com o de milhares de pessoas de hoje. E, de fato, parece que é realmente isso o que aconteceu, levando os cientistas a calcularem que entre 2,5% e 3,7% do genoma neandertal conhecido hoje se originou, na verdade, no H. sapiens. Trata-se, inclusive, de uma porcentagem ligeiramente superior à do DNA neandertal na maioria das pessoas de hoje (cerca de 2%).
A equipe de Princeton estima que os nossos primos arcaicos “ganharam” essa contribuição genética moderna em dois episódios de hibridização, um há cerca de 200 mil anos e outro há 100 mil anos bem antes, portanto, da verdadeira fase de expansão do H. sapiens da África para os demais continentes. Devem ter sido encontros em locais como o Oriente Médio, onde as distribuições geográficas originais das duas espécies se “encostavam”.
Os dados também sugerem que, perto do momento da extinção dos neandertais, há cerca de 40 mil anos, esse chamado fluxo gênico (ou seja, a transferência de variabilidade genética de um grupo para outro) dos humanos modernos para os neandertais tinha parado totalmente.
Isso provavelmente significa que a população neandertal era tão pequena que estava sendo completamente absorvida pela crescente população de H. sapiens.
REINALDO JOSÉ LOPES / Folhapress