SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Numa pintura, dois homens encaram um ao outro, separados por um abismo. Em outra, o mesmo personagem aparece caminhando para o penhasco, enquanto a seu lado um rapaz nu faz xixi. As telas têm tons sólidos cinza, preto, azul, cores tão fechadas e impenetráveis quanto o universo temático a que estão a serviço.
Seu autor, Victor Arruda, conta que criou ambas as telas num período no final dos anos 1980 no qual passou por uma grande depressão e contemplou o suicídio ele morava no 28° andar de um prédio. Embora o tema seja sério, o artista não fala de seu passado duro com pesar, mas sim em tom sóbrio, sem se exaltar.
“Fui impedido [metaforicamente] pela minha mãe, que era apaixonada por mim e eu por ela. Era o filho predileto dela. Ela não entenderia, seria como se o amor dela não tivesse bastado”, afirma o artista. “E o segundo motivo é que eu fiquei com medo de cair em cima de alguém”, acrescenta, aos risos.
As obras estão agora numa exposição na galeria Almeida e Dale, em São Paulo, que coloca lado a lado trabalhos de Arruda, um mato-grossense de 77 anos, junto a pinturas e desenhos de Carroll Dunham, que nasceu no estado de Connecticut, nos Estados Unidos, e tem 74 anos.
Ambos os artistas são da mesma geração, mas o existencialismo de muitas das telas de Arruda expostas não encontra eco no trabalho do americano. Dunham opta por algo visceral, bruto, ao produzir pinturas explícitas do ato sexual, deixando os genitais de seus personagens à mostra um ânus virado para cima, um pênis ereto, as nádegas cheias sobressalientes.
Mas se os temas são tão diferentes, o que conecta o trabalho do americano com o do brasileiro? Por que mostrá-los nas mesmas salas?
“O que eles têm em comum é um grande interesse no sentimento de ser um ser humano”, afirma o organizador da mostra, o curador americano Dan Nadel, lembrando que ambos os artistas cresceram ao mesmo tempo, mas em lugares e situações completamente distintas.
Nadel menciona outro fator de similaridade, o de que os dois artistas produzem trabalhos sobre conflito, manifesto nas telas em emaranhados de corpos e membros e em como os corpos se juntam e mudam de forma à medida em que se cruzam.
Neste tipo de obra, especificamente, o existencialismo ou o tom meio ogro das figuras dá lugar a uma boa dose de humor, com influências dos quadrinhos pornográficos de Carlos Zéfiro no trabalho de Arruda e das HQs também obscenas de Robert Crumb na obra de Dunham.
Isto embaralha as coisas e faz com que o trabalho de um artista seja muito parecido com o do outro, como no caso de uma série de desenhos que são na verdade estudos para outras obras de Dunham, datados da década de 1990, que podem facilmente ser confundidos com pinturas de Arruda penduradas na parede ao lado. Não, Dunham diz que não conhecia o trabalho de Arruda até ser convidado para esta exposição.
Outro laço entre os dois é o uso das cores, que não aparecem nos trabalhos como representações fidedignas do mundo natural. “São artistas interessados em fazer pinturas intrigantes que obedecem às suas próprias lógicas em oposição a uma imagem literal convincente. A cor é sobre as escolhas para as composições, o estado de espírito, o que faz sentido para a pintura”, afirma o organizador da exposição.
Vale observar também a organização das composições. Enquanto Dunham usa a geometria como base, de modo que tudo parece estar no lugar certo nas telas, Arruda muitas vezes dá a impressão de ser mais livre, com personagens que saltam e se divertem no quadro. Mas tanto um quanto o outro dão uma piscadela para o espectador.
“Note que ambos usam cachorros em suas pinturas e em ambos os casos os cachorros olham para o público e o convidam para dentro [da tela]”, diz o organizador. “Nenhum deles está tentando fazer algo realista.”
EXAMINING MYSELF AND OTHERS: VICTOR ARRUDA AND CARROLL DUNHAM
– Quando Até 21 de setembro. Visitação de segunda a sexta, das 10h às 18h; sábado, das 11h às 16h
– Onde Galeria Almeida e Dale – r. Caconde, 152, São Paulo
– Preço Grátis
JOÃO PERASSOLO / Folhapress