BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Deputados federais e senadores excluíram 44 municípios da lista dos que receberam diretamente até o início deste mês R$ 23 bilhões em emendas parlamentares de 2024.
O clube dos esquecidos pelos congressistas inclui alguns dos municípios mais pobres do Brasil, mas também cidades com alto PIB per capita. Em alguns casos, desavenças políticas ajudam a explicar por que não pingou nenhum centavo de emendas nos cofres do Executivo local.
As emendas são uma forma pela qual parlamentares conseguem enviar dinheiro para obras e projetos em suas bases eleitorais e, com isso, ampliar seu capital político –o que ganha relevo em ano eleitoral. A prioridade do Congresso tem sido atender redutos eleitorais e não localidades com maior necessidade.
Nesta lista dos excluídos, por exemplo, está Araioses (MA). O município de 40 mil habitantes fica distante 400 km da capital, São Luís, e tem um dos menores PIB per capitas do país –R$ 6.000 ao ano, ocupando a 5.565ª posição de um total de 5.570 cidades do país.
A localidade maranhense chegou a receber R$ 5 milhões em 2022 das emendas do relator, modalidade proibida pelo STF (Supremo Tribunal Federal), mas viu a verba parlamentar desaparecer nos anos seguintes.
Os dois candidatos a deputado federal mais votados na cidade em 2022 acabaram eleitos: Pedro Lucas Fernandes (União Brasil) e André Fufuca (PP). O segundo se licenciou do mandato para virar ministro dos Esportes em 2023 e oficialmente não direcionou emendas de 2024.
Lucas Fernandes disse, por meio de sua assessoria, que busca alcançar o máximo possível de cidades.
“O deputado informou que até o momento não destinou emenda parlamentar direta via prefeitura para o município de Araioses, mas destinou recurso por meio do governo do estado, o que tornou possível a construção de uma praça no município. Também já foi destinado, via Codevasf, kits de irrigação e, em breve, será entregue um caminhão para ajudar pequenos agricultores.”
O deputado Fernandes disse ainda que a falta de alinhamento político com a gestão local não impedirá futuros repasses. A Folha não conseguiu falar com a prefeitura.
Pressionado pelo Congresso, o governo Lula (PT) acelerou a liberação de emendas e pagou cerca de R$ 23 bilhões até a primeira semana de julho com o objetivo de escapar da trava imposta a novos repasses nos três meses que antecedem as eleições.
Até 5 de julho, 5.526 municípios receberam de R$ 20 mil a mais de R$ 150 milhões em emendas, sendo que São Gonçalo (RJ) lidera o ranking.
Outra cidade fora da lista de emendas é a também maranhense Itapecuru-Mirim, de 60 mil habitantes e 4.556ª no ranking de PIB per capita do país.
Deputado federal mais votado na cidade em 2022, Marreca Filho (PRD) disse ter optado por direcionar recursos para parcerias com o governo do estado devido ao que classificou como inoperância da prefeitura, que não teria iniciado ou concluído obras com os recursos enviados em anos anteriores.
Segundo ele, a parceria com o governo estadual em 2024 resultou em destinação de quase R$ 10 milhões indiretamente para a cidade, principalmente para obras de pavimentação. A Folha não conseguiu falar com representantes da administração local.
Outra maranhense na lista dos sem emenda é Porto Franco, de 24 mil habitantes e PIB per capita bem mais alto (1.313ª posição).
Deputado mais votado na cidade em 2022, Josivaldo JP (PSD) mantém boa relação com a administração local, mas disse que também decidiu destinar recursos via governo estadual.
Com esses recursos, disse, foi possível realizar em Porto Franco mutirão de cirurgias urológicas, de catarata e serviços do Programa de Atenção Primária e de Saúde do Homem.
Mais populosa entre as que ficaram sem emendas, Ipojuca (PE) tem quase 100 mil habitantes e ganhou cerca de R$ 16 milhões de deputados e senadores de 2019 a 2022.
Os principais autores das emendas para a cidade, porém, não se reelegeram. A senadora Teresa Leitão (PT), mais votada em Ipojuca, é adversária da prefeita Célia Sales (PP).
A senadora disse que destinou emendas para mais de 50% dos municípios, em várias regiões.
“Ipojuca possui maior renda PIB per capta do estado. A senadora terá mais sete anos de ação orçamentária, que contemplarão a população de Ipojuca e a de outros municípios ainda não atendidos em 2024.”
Também fora da lista de repasses, a Prefeitura de Água Preta (PE) ganhou R$ 6 milhões em emendas em 2022, além de R$ 740 mil no ano seguinte. Passou em branco em 2024.
O município de 26 mil habitantes é um dos mais pobres do país e vive uma crise política. Em 2023, o então prefeito Noé Magalhães (PSB) chegou a ser preso.
Adversário político dele, o vice Neto Cavalcanti (PSB) assumiu o cargo por sete meses, mas ambos foram cassados pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) em maio.
Noé é irmão do deputado federal Clodoaldo Magalhães (PV). Neto Cavalcanti disse à Folha que a família Magalhães promoveu um “bloqueio político” contra a sua gestão.
O deputado Clodoaldo respondeu que segue enviando recursos ao município e citou um convênio assinado em 2023 pelo adversário, enquanto exercia o cargo de prefeito, para obras de pavimentação.
A verba, porém, já havia sido empenhada em 2022. Nas emendas ao Orçamento atual, Clodoaldo não fez repasses a Água Preta.
É possível que os municípios tenham sido beneficiados por verbas pendentes de emendas de anos anteriores. Os dados de portais da transparência também não permitem localizar com facilidade eventuais doações feitas a municípios por emendas, como tratores e outros maquinários.
A cifra total paga em emendas parlamentares pelo governo até a trava imposta pelas eleições corresponde a cerca de 44% dos R$ 52 bilhões disponíveis em 2024.
Do recurso já pago, maior parte (R$ 19,3 bilhões) foi direcionada diretamente aos cofres dos municípios.
A distribuição de emendas está no centro de suspeitas recentes de irregularidades. É o caso da investigação da Polícia Federal que aponta que o ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil), atuou no desvio de verbas para obras bancadas por indicações feitas por ele quando estava na Câmara. Juscelino nega as suspeitas de corrupção.
Uma série de reportagens da Folha ainda mostrou que a emenda amplia desigualdades em políticas públicas, criando inclusive um abismo no acesso à água. Na prática, municípios mais necessitados são ignorados, enquanto redutos políticos são abastecidos sem nenhum tipo de critério técnico.
MATEUS VARGAS E RANIER BRAGON / Folhapress