RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – “Seu Joaquim? Tudo ‘bão’ com o senhor? É o menino que atendeu o senhor aqui no posto. Vai vim ver nós hoje? Estamos com saudade do senhor, uai”, diz o estudante de medicina Lurdiano Freitas, 29, ao telefone com um paciente da UBS (Unidade Básica de Saúde) do bairro Caravelas, em Ipatinga, no interior de Minas Gerais.
Um vídeo com a ligação viralizou nas redes sociais do futuro médico, com quase meio milhão de visualizações no TikTok. Na gravação, ele mostra que depois de ligar para saber como está o paciente, ainda o leva de carro para buscar um exame.
Assim, uma simples ligação, chamada de busca ativa, se tornou estratégia importante de aproximação com os pacientes da região. “Eu queria saber se a minha prescrição tinha sido eficaz, porque é muito importante que a gente tenha esse resultado. Mas percebi que os pacientes não estavam conseguindo voltar para as consultas, e aí comecei a ligar como iniciativa”, disse o estagiário, que atende sob supervisão na UBS e no ambulatório da universidade onde cursa o sétimo período da graduação.
A busca ativa por usuários da policlínica de Caravelas fez o mineiro idealizar o Ligações de Afeto, desenvolvido ao lado da colega de estágio Luana Clara, sob supervisão da professora Aiala Xavier.
O projeto consiste em ligar para o paciente uma semana depois da consulta, e segue uma metodologia que foi publicada em artigo científico em abril, e faz parte do que hoje é um projeto de extensão na Faculdade de Medicina Afya, onde os estudantes fazem a graduação.
O método é estruturado em quatro etapas (interação pessoal, ambulatorial, preventiva e informativa) que conduzem os temas a serem abordados na ligação e a interação com o paciente.
Há, por exemplo, a regra do um minuto, que diz que o médico precisa ficar o primeiro minuto de contato com o paciente sem fazer qualquer tipo de anotação, apenas prestando atenção no que ele diz. “O objetivo é que o paciente se sinta acolhido e não um fantoche na mão de um médico que decide o por ele o que deve tomar. O paciente se torna participante, o cerne da consulta e do tratamento”, afirma o estudante.
Outro ponto observado na metodologia é a linguagem, para que o paciente se sinta próximo do médico e entenda exatamente a mensagem e as orientações que estão sendo passadas.
“A adaptação da capacidade linguística da pessoa que estamos atendendo é fundamental. Outro dia, eu percebi que um paciente não sabia ler, mas eu precisava que ele entendesse o receituário. Então, eu comecei a desenhar e colar adesivos para ele entender”, diz Lurdiano, ao contar como nasceu o Receituário de Afeto.
O método usa adesivos coloridos nos papéis dos receituários para orientar os pacientes, especialmente idosos, quanto aos encaminhamentos, prescrições e afins, de uma forma mais dinâmica e dando mais facilidade à adesão do tratamento.
Antes, ele já havia adotado os Recados de Afeto, que são mensagens positivas disponíveis na recepção da unidade de saúde e dentro do consultório.
A diretora da policlínica municipal de Ipatinga, Érika Neiva, avalia a importância das ações dos estudantes. “São refletidas em melhores respostas clínicas, condições de saúde, e a satisfação referenciada pelos próprios usuários”, diz a médica responsável pela parceria da faculdade com as consultas da UBS.
Com a mãe professora e o pai fazendeiro, Lurdiano foi criado na roça de Água Boa, no interior de Minas Gerais. Cresceu ajudando o pai a tocar o gado e sempre cultivou o sonho de ser médico, mas não imaginava exercer a profissão um dia.
“Sempre sonhei fazer medicina, mas me achava burro, que não tinha capacidade. Foi uma surpresa gigante observar essa evolução na minha vida”, disse o estudante que passou em terceiro lugar no vestibular de medicina.
Antes de ingressar na medicina, em 2021, se formou em letras e administração, na qual concluiu três pós-graduação na área. Foi na pandemia de Covid que Lurdiano decidiu investir no sonho de menino.
Nas redes sociais, o estudante transformou seu perfil em um espaço para mostrar o que faz para que o atendimento seja mais acolhedor. Lurdiano posta vídeos com diálogos, mas afirma ter cuidado para não expor os pacientes.
“Eu não sou criador de conteúdo, eu só mostro a minha vida, minha rotina, o que eu sou e flui. Eu só quero registrar a minha história e incentivar as pessoas a pensarem na medicina de forma mais humana”, afirmou.
Com a repercussão das estratégias de afeto nos atendimentos, outras unidades de saúde já convidaram o estudante para capacitações Brasil afora. Na próxima semana, o estudante começa uma jornada de treinamento no Amazonas.
ALÉXIA SOUSA / Folhapress