RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – O município do Rio de Janeiro, que prevê sediar uma nova Bolsa de Valores, já teve uma operação do tipo com protagonismo nacional. Trata-se da BVRJ (Bolsa de Valores do Rio de Janeiro).
A antiga Bolsa carioca, uma das primeiras do país, ficou inativa em 2002, após esvaziamento e concentração do mercado de capitais em São Paulo. O empreendimento acabou incorporado à estrutura da Bolsa paulista, atualmente chamada de B3.
Segundo economistas e líderes empresariais cariocas, o fim da BVRJ intensificou o processo de saída de empresas e profissionais do setor financeiro da capital fluminense.
Com a instalação de uma nova Bolsa, prevista para o segundo semestre de 2025, a gestão do prefeito Eduardo Paes (PSD) aposta na atração de novos investimentos para a cidade. A ideia é competir com a B3. Analistas, contudo, ainda veem desafios para o projeto decolar.
“A gente acompanhou a decadência econômica do Rio de Janeiro dos anos 2000 para cá, e era muito claro que essa decadência se devia também ao esvaziamento do que se pode chamar de city [cidade] financeira”, afirma o economista e consultor Carlos Cova.
“Esse esvaziamento foi consequência do encerramento da Bolsa de Valores do Rio. Hoje, se você chegar ao centro da cidade, vai conviver com uma sensação de eterno domingo: comércios fechados e ruas vazias”, completa.
Antes de encerrar as operações, a BVRJ ocupava um prédio junto à praça 15 de Novembro, na região central do Rio. Cova é autor de um livro sobre a trajetória do empreendimento.
O lançamento da obra, chamada “Pulsão do mercado: uma história da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro”, ocorreu neste ano, em parceria com a editora Andrea Jakobsson Estúdio.
As origens
Conforme Cova, as origens da antiga operação remetem ao ano de 1820, com a instalação do que ficou conhecido como Praça de Comércio. Mais tarde, em 1845, a regulamentação da profissão de corretor de fundos públicos trouxe legitimidade para a Bolsa, diz o economista.
“Quando a família real portuguesa chegou ao Brasil [em 1808], a maioria das monarquias europeias já tinha aquilo que se pode chamar de embrião das Bolsas de Valores: as praças de comércio. Funcionavam como pontos de negociação de ativos da época, ainda muito primários”, afirma o consultor, citando seguros de navegação e metais como exemplos desses ativos.
Antes do início formal das operações, em 1845, os negócios eram realizados em uma espécie de pregão ao ar livre, e os corretores eram chamados de “zangões”, segundo texto publicado em 2011 pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
“A partir da vinda da família real para o Brasil, no início do século XIX, a atividade de comercialização ganhou grande impulso, o que levou às primeiras tentativas de organização do mercado”, aponta a publicação.
De acordo com economistas, a Bolsa do Rio acompanhou as mudanças da economia brasileira ao longo das décadas e teve protagonismo ao menos até os anos 1970, em meio à ditadura militar.
“Havia Bolsas no Rio e em São Paulo, e a do Rio era a mais importante. É até difícil imaginar isso. A Bolsa do Rio detinha o maior volume de recursos. Tinha a maior liquidez dos negócios”, diz o economista Mauro Rochlin, professor da FGV (Fundação Getulio Vargas).
A derrocada
Rochlin afirma que o cenário começou a mudar devido a uma combinação de fatores. A derrocada de setores econômicos do Rio de Janeiro e a migração de agentes financeiros para São Paulo fazem parte dessa lista, segundo Rochlin.
A terceira grande questão para entender o esvaziamento, aponta o professor, foi a explosão do caso Naji Nahas, em 1989. À época, a BVRJ quase entrou em colapso após o megainvestidor ter o nome ligado a operações com cheques sem fundo.
Nahas chegou a ser acusado de “quebrar” a Bolsa, mas foi inocentado das alegações de manipulação do mercado que culminaram no caso.
“Houve uma perda de protagonismo no Rio, que também teve problemas de violência ganhando muito corpo. O caso Nahas foi uma espécie de pá de cal”, afirma Alexandre Espirito Santo, economista-chefe da Way Investimentos e professor do Ibmec-RJ.
“Bancos migraram para São Paulo. Foi um conjunto de coisas que aconteceram no final da década de 1980 e no começo dos anos 1990”, acrescenta.
Após perder espaço no mercado de ações, a BVRJ ainda sediou leilões de grandes privatizações nos anos 1990. A realização de parte dos certames foi cercada de tensão, com registros de protestos e confusões do lado de fora da Bolsa.
Uma fotografia de 1997, por exemplo, mostra um cachorro da Polícia Militar avançando contra manifestantes em meio ao leilão da Vale do Rio Doce no centro do Rio.
O último pregão do mercado carioca de ações ocorreu em 2000, quando as operações do tipo passaram a ser centralizadas em São Paulo. A BVRJ ainda funcionaria antes de fechar totalmente as portas, mas apenas para operações como a negociação de títulos públicos até 2002.
Após o fim da Bolsa, escritórios cariocas de gestão de ativos financeiros passaram a se concentrar em bairros da zona sul, incluindo Leblon, Gávea e Ipanema, e não na região central, aponta Espirito Santo.
“O Rio hoje se destaca pelos escritórios de gestão e bancos de investimentos”, diz o economista.
A nova Bolsa
Até o momento, não há confirmação do endereço da nova Bolsa, cujo projeto é desenvolvido pela empresa ATG (Americas Trading Group), do Mubadala Capital.
Em entrevista à Folha, o secretário municipal de Desenvolvimento Urbano e Econômico do Rio, Chicão Bulhões, disse neste mês que o empreendimento não será instalado no prédio da antiga BVRJ, junto à praça 15 de Novembro.
Bulhões, contudo, afirmou que ações da prefeitura para revitalização da área central animaram os executivos envolvidos na nova iniciativa. A proximidade do aeroporto Santos Dumont seria outro atrativo.
Marcelo Haddad, CEO da Aliança Centro-Rio, diz que o lançamento de uma Bolsa será importante para reter profissionais do setor financeiro na cidade. A aliança reúne empresas que defendem a revitalização da região central e a atração de investimentos para o local.
“Antes, o centro do Rio não tinha só a Bolsa. Tinha todo um ecossistema envolvido com ela”, declara. “O Rio de Janeiro vem perdendo talentos para outras regiões”, acrescenta.
De acordo com o economista Mauro Rochlin, da FGV, a instalação da nova Bolsa pode ser positiva para a cidade caso saia do papel, mas ainda há dúvidas no horizonte.
A principal, segundo o professor, diz respeito à capacidade de atrair um volume “razoável” de negócios em meio a uma possível competição com a B3, já consolidada no setor.
Espirito Santo também considera o projeto positivo para a capital fluminense, mas vê um “desafio enorme” para o sucesso da iniciativa.
A inauguração da nova Bolsa, prevista para o segundo semestre de 2025, ainda depende da liberação do BC (Banco Central) e da CVM (Comissão de Valores Mobiliários).
Para sediar o projeto, o Rio cortou o ISS (imposto municipal) das atividades do gênero -de 5% para 2%.
LEONARDO VIECELI / Folhapress