Os três pontos polêmicos sobre o setor de apostas esportivas no Brasil

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – As apostas esportivas se tornaram um fenômeno entre os brasileiros. Desde 2018, quando a prática foi legalizada, ainda no governo Temer, o número de apostadores teve um boom no país.

O mercado das bets domina patrocínios de times profissionais de futebol, atrai principalmente os mais jovens e levanta discussões sobre vício e prejuízos financeiros das apostas.

Pesquisa do Datafolha de dezembro do ano passado mostrou que 15% dos brasileiros já fizeram ou fazem apostas do tipo —a porcentagem é o dobro (30%) entre quem tem de 16 a 24 anos.

Além desse aumento de público, as apostas esportivas também se tornaram um elemento fixo a mais no orçamento dos brasileiros, assim como serviços de streaming de vídeo e música. A SBVC (Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo) mostrou que o gasto com as bets reduziu o ritmo de consumo de outros tipos de bens.

O projeto de lei para autorizar as empresas de apostas com alíquota fixa a funcionar no Brasil foi aprovado ao fim de 2018. Depois dessa etapa, o Poder Executivo deveria regulamentar o setor, mas o governo de Jair Bolsonaro (PL) atrasou a tarefa nos seus quatro anos, tempo que o primeiro projeto previa para a regulamentação.

As discussões sobre a regulação foram retomadas no ano passado, quando a Câmara aprovou o projeto de lei das apostas esportivas online. A medida foi um dos esforços de aumento de arrecadação do governo Lula e na época trazia uma estimativa de atrair R$ 1,6 bilhão em 2024 para os cofres públicos, de acordo com projeções do Ministério da Fazenda.

No fim de 2023, o Presidente petista sancionou a lei de exploração do setor, abrangendo apostas virtuais, apostas físicas, eventos esportivos reais, jogos on-line e eventos virtuais de jogos on-line.

A alíquota de contribuição das casas foi fixada em 12% e agora elas devem pagar uma autorização no valor R$ 30 milhões para operar legalmente no país. Além disso, o governo criou a SPA (Secretaria de Prêmios e Apostas), vinculada ao Ministério da Fazenda, para regular as casas de apostas.

A prática ainda está em processo de regulamentação, discutindo os regramentos específicos, apesar de já ter caído no gosto da população. Confira os três principais pontos polêmicos sobre esse mercado bilionário.

QUEM SÃO AS EMPRESAS?

A falta de regulamentação durante o governo Bolsonaro estabeleceu no país um ambiente de operações cinzentas para as bets:um limbo legal, que permitiu a proliferação de empresas do setor em atuação no país.

As casas de apostas presentes no Brasil desde a brecha legal de 2018 foram disponibilizadas, em sua maioria, por empresas de capital fechado que mantiveram suas sedes em paraísos fiscais como Curaçau e Malta. Elas não pagaram impostos nem estabeleceram qualquer tipo de compromisso com o governo brasileiro para manter os seus sites em funcionamento no país.

As empresas argumentam que esse tipo de operação em um mercado cinza foi motivada principalmente pela insegurança jurídica do Brasil antes da regulamentação.

Agora, as casas deverão pagar uma licença de R$ 30 milhões para explorar o mercado brasileiro, além de estabelecer sede física no país e possuir ao menos 20% de participação societária de algum ente nativo. A alíquota de contribuição do setor ficou fixada em 12%.

MUDANÇAS NO CONSUMO E RISCO DE DESENVOLVER VÍCIO

A parcela da população que é apaixonada por futebol foi atraída pelo dinheiro aparentemente fácil obtido por meio das apostas. Esses consumidores reduziram o ritmo de compras em outros segmentos, em especial de itens de vestuário, supermercados e viagens, de acordo com uma pesquisa a SBVC, com o objetivo de encontrar espaço no orçamento pessoal para gastar com apostas.

Um relatório do banco Santander publicado em junho mostra que a participação do varejo nos gastos das famílias caiu de um pico de 63% em 2021 para 57% em 2023. Ao mesmo tempo, as bets passaram de 0,8% da renda familiar em 2018 para algo entre 1,9% e 2,7% em 2023.

Cerca de 15% dos brasileiros dizem fazer ou já ter feito apostas online e quase um terço (30%) dos brasileiros de 16 a 24 anos afirma que já apostou. Quem joga gasta, em média, R$ 260 por mês, e os mais pobres têm uma fatia da renda consumida pela atividade.

A expansão do mercado acende o alerta de pesquisadores, médicos, educadores e até integrantes de grupos de apoio a viciados em jogos que relataram à reportagem uma propagação entre jovens e até adolescentes, com recorrência de casos problemáticos. Isso ocorre mesmo com a proibição legal para menores de 18 anos.

Na opinião de Karine Karam, professora de comportamento do consumidor e pesquisa de mercado da ESPM, as apostas online trazem excitação em um mundo em que é muito difícil vencer. “A internet mudou a nossa percepção de tempo. Ganhar dinheiro com trabalho é algo demorado e que demanda esforço. Mas ninguém quer esperar muito por nada, principalmente os mais jovens”, diz a diretora da Markka Pesquisa, no Rio.

Com a gamificação, afirma, o jogador tem a ilusão de ser bom em alguma coisa. Quando perde, precisa jogar de novo para ganhar, afirma. “Vencer é um mimo para o cérebro. Funciona como dopamina”, diz ela, que defende uma regulamentação rígida, capaz de proteger os usuários de danos materiais e psíquicos.

MANIPULAÇÃO DE RESULTADOS E INVESTIGAÇÕES

Paralelamente à regulamentação que corria em Brasília, começaram a surgir esquemas que renderam investigações envolvendo diversos personagens, como políticos, jogadores, árbitros e até presidente de time.

Em maio de 2023, o deputado federal Felipe Carreras (PSB-PE) instalou a CPI das Apostas Esportivas e a comissão ganhou força no Congresso Nacional com a operação Penalidade Máxima, do Ministério Público de Goiás, que investigava a possível manipulação de resultados de partidas de futebol, inclusive na Série A do nacional.

O Ministério Público de Goiás (MP-GO) identificou, na época, situações em que jogadores foram abordados para forçar cartões ou cometer pênaltis, com o objetivo de ganho ilícito em sites de apostas esportivas.

No início deste mês, outra denúncia surgiu quando o ex-assessor especial do Ministério da Fazenda, José Francisco Manssur afirmou à CPI das Apostas Esportivas do Senado, presidida por Kajuru com relatoria de Romário (PL-RJ), que um presidente de associação de jogos relatou receber pedidos de propina do deputado Felipe Carreras, relator da primeira CPI no congresso.

Na ocasião, o empresário que fez a denúncia, Wesley Cardia, presidente da ANJL (Agência Nacional de Jogos e Loterias), disse à reportagem que vai “atender o convite da CPI” e responderá sobre o caso “diretamente à comissão”.

O deputado Felipe Carreras chamou o suposto pedido de propina de “insinuação mentirosa, negada pelo próprio presidente da associação” e disse que somente se encontrou com Cardia em reuniões institucionais, com presença de outros parlamentares.

Em outro caso, o empresário John Textor esteve entre os convocados da comissão no Senado por ter feito diversas acusações, segundo as quais o Botafogo teria sido prejudicado por supostas fraudes e erros de arbitragem, desde meados do ano passado. As denúncias começaram após o Botafogo ser deixado para trás pelo Palmeiras na reta final do Campeonato Brasileiro de 2023.

Na ocasião, ele apresentou um áudio atribuído a um ex-árbitro em que ele afirmava a um interlocutor que não havia recebido a propina acertada para favorecer um dos clubes em partida.

O ex-árbitro em questão é Glauber do Amaral Cunha, que apitava partidas da quarta divisão do Campeonato Carioca até 2022. Ele foi chamado a depor à CPI no início de maio, mas se manteve em silêncio durante toda a sessão

GUILHERME BENTO / Folhapress

COMPARTILHAR:

Participe do grupo e receba as principais notícias de Campinas e região na palma da sua mão.

Ao entrar você está ciente e de acordo com os termos de uso e privacidade do WhatsApp.

NOTÍCIAS RELACIONADAS