BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Sem resolver o problema da fome e da desigualdade, não seremos capazes de enfrentar o desafio climático, avalia a ministra de Desenvolvimento Internacional da Noruega, Anne Beathe Tvinnereim. As soluções, segundo ela, precisam mirar as duas questões ao mesmo tempo.
“Se as pessoas não souberem como garantir a próxima refeição para seus filhos, elas nunca vão priorizar a sustentabilidade ou o clima. Se qualquer governo do mundo não for capaz de fornecer as necessidades mais básicas para sua população, não é possível começar a lidar com as mudanças climáticas”, afirma Tvinnereim à Folha.
Em passagem pelo Brasil, a ministra norueguesa diz ver a fome como o “maior problema solucionável” do mundo e defende que a segurança alimentar “ande de mãos dadas” com uma produção de alimentos mais sustentável.
A ministra considera que o tema da fome tem sido ignorado na política internacional por décadas e valoriza a iniciativa do Brasil em colocar essa pauta no centro da agenda com o pré-lançamento da aliança global contra a fome e a pobreza principal bandeira da presidência brasileira no G20.
Na próxima quarta-feira (24), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) participará de evento no Rio de Janeiro no qual serão apresentadas as premissas da iniciativa e será aberto o processo de adesão dos países à aliança. O G20 reúne as 19 maiores economias do mundo, mais a União Europeia e agora também a União Africana.
“Precisamos da ambição política e finalmente a temos. Estou verdadeiramente grata que o Brasil assumiu a liderança dessa questão”, diz. A norueguesa chama a aliança de “um raio de sol” em um cenário mais obscuro e desafiador para o multilateralismo.
Para Tvinnereim, a vontade política é o principal valor da aliança global contra a fome, e o Brasil tem conseguido ampliar o debate sobre a questão. A ministra, que participará do evento no Rio, pede o engajamento internacional para o avanço dessa causa.
Ela considera chocante que o mundo até hoje não seja capaz de alimentar toda a população do globo e se mostra preocupada com a regressão dos objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU (Organização das Nações Unidas) que tratam da erradicação da fome e da pobreza até 2030.
“Minha mensagem para as organizações da ONU, para a sociedade civil, para países doadores, como a Noruega, é: vamos nos alinhar e ver como podemos impulsionar nossos esforços na mesma direção”, diz.
Ela defende o alinhamento de esforços, mas também de recursos. Vê a interlocução com os membros da trilha financeira do G20 composta por ministros de Finanças e presidentes dos bancos centrais como um passo importante para colocar os compromissos da aliança contra a fome em prática.
“Farei o que estiver ao meu alcance para garantir que nossos investimentos e nosso foco estejam alinhados com os outros grandes fluxos de trabalho que alimentam o que a aliança está fazendo. Para garantir que não desperdicemos esforços e que obtenhamos as sinergias que precisamos”, afirma.
De acordo com a ministra, os principais recursos para o combate à fome devem vir de grandes fundos e de investimentos de bancos multilaterais. Mas ela também vê necessidade de mecanismos inovadores de liberação de financiamento dos grandes bancos.
Tvinnereim ressalta que, embora cada vez mais recursos sejam destinados para grandes fundos “verdes” e outras janelas de financiamento nos bancos multilaterais, o acesso a esse dinheiro ainda é difícil, especialmente para os países mais pobres e para os produtores rurais de alimentos.
“Apenas 0,8% do financiamento climático global chega aos produtores de alimentos. Sabemos que os pequenos produtores de alimentos estão na linha de frente das mudanças climáticas e são os que mais sofrem, mas é impossível para eles ter acesso a esse financiamento”, afirma.
“Então, precisamos de ações sérias para mudar isso. Espero que isso também possa ser levantado no âmbito do G20”, acrescenta.
Ela acredita que será possível “fazer a diferença” se houver maior liberação de financiamento para esse público e afirma que é preciso pensar de forma “totalmente diferente” para tirar as pessoas da situação de fome por meio de sistemas alimentares sustentáveis.
Também joga luz sobre a relação de causa e efeito entre desigualdade de gênero e insegurança alimentar. Tvinnereim cita um estudo do Banco Mundial que mostra que se as mulheres tivessem acesso aos mesmos insumos que os homens no campo, como tecnologia, sementes, financiamentos, a produção de alimentos seria multiplicada e o mundo daria um grande salto no combate à fome.
A ministra da Noruega defende que os investimentos sejam feitos em toda a cadeia de valor, desde o pequeno produtor rural até os mercados locais, e que as soluções sejam adaptadas para cada país. “Precisamos abordar isso de baixo para cima”, diz.
Um dos pilares da iniciativa proposta pelo Brasil se baseia na oferta de uma cesta de políticas públicas que foram bem-sucedidas para nações que tenham interesse em adaptar e implementar os modelos em seus territórios. É o caso, por exemplo, do programa de alimentação escolar brasileiro.
A capacidade do Brasil de atuar em grande escala é, para Tvinnereim, um exemplo a ser seguido. “Precisamos expandir. Precisamos atuar em uma escala massiva porque o desafio da fome é maior do que nunca”.
NATHALIA GARCIA / Folhapress