A alta frequência de deficiência visual e cegueira entre a população em situação de rua em Ribeirão Preto indica a urgência de intervenções oftalmológicas mais acessíveis para essa população vulnerável. Essa é a constatação de estudo da acadêmica Dara Gomes, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, orientado pelo professor João Marcello Fortes Furtado.
A pesquisa Frequência e Causas de Deficiência Visual e Cegueira em Pessoas em Situação de Rua em Ribeirão Preto, Brasil foi a vencedora do Prêmio da Academia de Medicina do Estado de São Paulo, na categoria Alunos do Curso Médico de Faculdades de Medicina do Estado de São Paulo. O estudo contou com a coautoria da médica Daiana Karine Canova e de Bárbara Vieira.
O estudo
De março a outubro de 2023, foram avaliadas 349 pessoas em situação de rua durante 19 visitas a centros de apoio da cidade. Entre essas pessoas, 85,1% são do sexo masculino, 52,1% se autodeclararam pardos, 29,5% brancos e 16,3% negros. A avaliação foi completa em 337 pessoas e revelou que a principal causa de deficiência visual para longe foi o erro refrativo, que leva à miopia, à hipermetropia e ao astigmatismo. O erro refrativo afeta 39,7% dos participantes do estudo no olho direito e 42,4% no olho esquerdo. A presbiopia foi a principal causa de deficiência visual para perto, atingindo quase 50% dos indivíduos.
Em seguida, a catarata foi a segunda causa mais comum de deficiência visual, com 6,5% dos participantes do estudo afetados em ambos os olhos. Segundo a pesquisadora, outra constatação significativa foi a prevalência de pterígio nasal, uma condição caracterizada pelo crescimento anormal de tecido na córnea, presente em 11,5% dos participantes nos olhos direitos e em 13,3% nos olhos esquerdos.
Além disso, a escavação glaucomatosa, uma alteração associada ao glaucoma, foi detectada em 3,7% das pessoas nos olhos direitos e 3,1% nos olhos esquerdos. “A maioria dos casos de deficiência visual identificados poderia ser tratada com intervenções custo-efetivas, como o fornecimento de óculos e o oferecimento de cirurgias de catarata. No entanto, a população em situação de rua enfrenta várias barreiras para o acesso a serviços oftalmológicos, o que intensifica a gravidade de suas condições de saúde ocular”, afirma Dara.
A acadêmica enfatiza a importância de incluir essa população em censos e estudos para desenvolver políticas públicas de saúde mais inclusivas. “A falta de diagnóstico e de tratamento adequado para essas condições visuais tratáveis revela a necessidade urgente de programas como o Consultório na Rua, por exemplo, que oferece assistência itinerante à população em situação de rua,” afirma a pesquisadora.
Dara também aponta para a necessidade de capacitação dos profissionais de saúde na atenção primária para realizar exames oftalmológicos básicos, facilitando o diagnóstico precoce e encaminhamento para tratamentos especializados. “Isso poderia melhorar significativamente a qualidade de vida dessas pessoas, permitindo melhor inserção no mercado de trabalho e acesso à educação e lazer”, diz ela.
Dara lembra que a pandemia de covid-19 agravou a situação de vulnerabilidade e a população em situação de rua em Ribeirão Preto cresceu cerca de 31%. “É fundamental que o sistema de saúde brasileiro adote medidas mais inclusivas e eficazes para garantir que essas pessoas recebam o cuidado que merecem”, concluiu a pesquisadora.
**Texto de Jornal da USP