LYON, FRANÇA (FOLHAPRESS) – Quando o jornalista e escritor americano Bill Buford decidiu passar um tempo na França para aprender sobre a gastronomia do país, ouviu repetidas vezes que seu destino deveria ser Lyon, “a capital mundial da gastronomia”, segundo diziam. O que seria uma temporada curta acabou se transformando em meia década morando na cidade, tempo em que trabalhou em restaurantes e aprendeu sobre a cultura e a gastronomia francesas. O resultado é o livro “Cinco Anos em Lyon” (Companhia das Letras).
Esta reportagem da série ‘3 Dias em, que propõe roteiros turísticos de 72 horas por cidades brasileiras e internacionais, apresenta uma abordagem bem gastronômica de Lyon. As dicas contemplam alguns aspectos históricos e culturais, mas o foco é gastronômico e com base em muitas das dicas do livro de Buford.
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DIA 1
Em uma viagem com foco na gastronomia, logo após se instalar na hospedagem é hora de já partir para o primeiro almoço. E a ideia é começar logo com um grande estouro, no que é reconhecido como melhor e mais importante restaurante da cidade: La Mère Brazier.
“La Mère Brazier era o lugar”, diz Buford no livro. Aclamado com duas estrelas do Guia Michelin, o restaurante que leva o nome de Eugénie Brazier foi fundado em 1921 e formou muitos dos grandes chefs que ajudariam a dar fama global a Lyon.
Apesar da sua importância, chegou a fechar em 2007, mas foi comprado pelo chef Mathieu Viannay, que decidiu manter o local fiel às origens. É lá que Buford faz o seu mais importante estágio durante os cinco anos em Lyon, com um relato detalhado da alta gastronomia e das intrigas e abusos da cozinha (algo bem próximo do que se tornou conhecido mais recentemente na série “O Urso”).
Com um pé na alta gastronomia e outro na tradição da gastronomia local, o restaurante é caro, refinado e serve pratos incríveis. A forma mais acessível de conhecer é no menu de almoço, em que a refeição completa custa 98 (R$ 593). Vale pela comida, mas vale muito pela experiência de luxo como um todo.
Depois de almoçar no restaurante estrelado, a melhor opção é ir ao museu Musée de Beaux Arts de Lyon, que fica a uma caminhada tranquila de dez minutos passando pela Place des Terreaux. Seu acervo inclui antiguidades, esculturas e pinturas, incluindo artistas como Monet, Van Gogh e Cézanne.
Após o museu, é possível conhecer melhor a região conhecida como Presqu’île, um pedaço de terra entre os rios Ródano e Saône, considerado “quase uma ilha”, com uma caminhada pelas ruas cheias de comércio. Uma grande avenida cortada por agradáveis ruas pequenas leva da place des Terreaux à place Bellecour, outra das mais importantes da cidade.
Mas a capital mundial da gastronomia está ali para oferecer algumas das melhores comidas do mundo, então é preciso passar ao jantar.
Para concluir o primeiro dia de passeio na Presqu’île, vale a pena conhecer um bouchon. Este é o nome pelo qual são conhecidos os restaurantes tradicionais de Lyon. Eles são especializados na comida regional, que inclui pratos como a salada lionesa (preparada com folhas e acompanhadas por ovo e bacon em cubos), quenelles (bolinhos de massa como grandes nhoques normalmente preparados com peixe e servidos com molho de lagostins), andouillette (uma linguiça preparada com intestinos de porco) e de sobremesa a tarte aux pralines (torta coberta com uma calda avermelhada preparada com amêndoas).
Duas das melhores opções estão na rua Claudia, pertinho das duas praças. Ambos servem comida farta, com opção de menu completo por cerca de 30 a 40 (de R$ 181 a R$ 242).
O Bouchon des Cordeliers é um pouco mais arrumado (com preços levemente mais altos), enquanto o Comptoir Brunet é mais aconchegante e histórico. Buford não chega a tratar deles no livro, mas quando o chef-apresentador Anthony Bourdain foi a Lyon, o escritor o levou para uma grande refeição com moradores da cidade no Comptoir Brunet.
DIA 2
O segundo dia na capital da gastronomia pode começar pelo principal mercado da cidade, que leva o nome do “papa da gastronomia” e maior nome relacionado à cidade: Les Halles de Lyon Paul Bocuse. Trata-se de um mercado coberto, bem organizado e com estandes que vendem comidas prontas bem como carnes e legumes para quem quer cozinhar em casa.
O local tem padarias, bares e restaurantes, mas a melhor forma de começar um dia à moda da cidade é sentando em mesinhas instaladas na frente de uma das peixarias para comer ostras frescas, de preferência com uma taça de champanhe.
O Chez Antonin é um dos principais lugares para ter essa experiência. Ali, a dúzia de ostras custa a partir de 25 (R$ 151) e são abertas na hora, na frente do cliente. Há ainda opção de frutos do mar como camarões e vieiras, e tudo é muito bem preparado.
Se as ostras são o café da manhã, também é possível almoçar no mercado. E o lugar mais tradicional e preferido dos moradores da cidade é o Baba La Grenouille. A especialidade da casa, como diz o nome, são rãs preparadas ao alho e óleo e servidas para serem comidas com as mãos, com muita melequeira, mas muito sabor. É um dos lugares que mais formam filas de clientes, especialmente aos fins de semana. O prato custa 24 (R$ 145) e é muito bem servido.
Depois de comer algumas das maiores especialidades da cidade, a segunda parte do dia pode ser passada conhecendo a parte mais histórica no bairro de Vieux Lyon, o mais turístico.
A cidade velha fica a menos de 2 km de caminhada do mercado, atravessando os dois rios que cortam Lyon. É uma área formada por ruas estreitas, a maioria sem carros, com comércio e mais restaurantes por todos os lados. É um passeio agradável e pitoresco, que ganha ainda mais ar de curiosidade por causa dos traboules, passagens “secretas” que permitem acessar a parte interna de muitos dos prédios, pátios e mesmo cruzar quarteirões inteiros.
O bairro ajuda a conhecer a história de Lyon, especialmente por causa da sua ligação com a tecelagem da seda, indústria que já foi uma das mais importantes do país. Ainda é possível visitar lojas e ver como ela era produzida.
O passeio pela cidade antiga pode se encerrar ao final da tarde na Cave Des Voyageurs, um bar de vinhos especializado em regiões próximas a Lyon. Além de ser a capital da gastronomia, a cidade está na encruzilhada de três grandes regiões produtoras de vinho: Côtes du Rhône, Beaujolais e Borgonha estão todas a até uma centena de quilômetros da cidade. Na Cave é possível experimentar diferentes vinhos em taças, com explicações e dicas dos atendentes (em francês e em inglês).
E o segundo dia pode ser finalizado cruzando o rio Saône de volta para a “quase ilha” para conhecer um dos restaurantes que Buford indica como um dos seus preferidos na cidade. O Bouchon des Filles cobra 30 (R$ 182) por uma refeição completa, que inclui entradas variadas, um prato, um queijo e uma sobremesa à escolha dos clientes. A andouillette da casa é delicada e suave mesmo para quem se assusta com a ideia de comer tripas. A quenelle é leve e muito saborosa. E a casa tem bons vinhos em taça para acompanhar a refeição.
Talvez seja importante caminhar um pouco depois de comer, e o bouchon fica em uma região agradável e com bastante vida à noite. Ali perto está La Fresque des Lyonnais, mural que cobre todo um prédio com cenas cotidianas e figuras ilustres da história da cidade. Era onde ficava também a padaria Philippe Richard, tocada por Bob, personagem importante do livro, que ensina a Buford o segredo da baguete francesa (a padaria fechou e hoje há outra pouco inspirada no seu lugar).
DIA 3
No terceiro dia, é hora de subir as ladeiras de Lyon. Por mais que a maior parte da cidade seja bem plana, ela tem na parte alta algumas das suas principais atrações. É no alto que está a colina de Fourvière.
A subida é íngreme, mas pode ser feita andando. Para maior conforto, é possível pegar um funicular que vai até a basílica de Notre-Dame de Fourvière, um símbolo icônico de Lyon e uma das atrações turísticas mais visitadas da cidade.
Construída no século 19, ela é imponente e pode ser vista praticamente de toda a cidade, enquanto oferece vistas impressionantes. Bem pertinho da basílica está o museu Lugdunum, que inclui um anfiteatro romano muito bem conservado.
Além de história, o topo da colina também tem gastronomia. As duas principais opções são o Terrasses de Lyon e o Restaurant Gastronomique Christian Tetedoie, ambos têm uma estrela do Guia Michelin e oferecem comida excelente com uma bela vista da cidade.
Aclamado como um dos melhores artesãos da gastronomia francesa, o chef Tetedoie é descrito no livro como sendo extremamente exigente e rigoroso com jovens cozinheiros. O seu restaurante de alta gastronomia oferece um menu completo de almoço por 65 (R$ 394). Mas tem também uma opção mais em conta, por 21 (R$ 127), no bistrô que fica no mesmo local, com um pátio aberto e uma bela visão da cidade.
Antes de encerrar a viagem por Lyon ainda vale conhecer outra parte alta da cidade, no bairro Croix-Rousse, que também é conhecido por sua história na produção de seda. O bairro é mais residencial, mas oferece caminhadas interessantes por suas ruas, bonitos murais (especialmente o mur des canuts) e belas vistas de Lyon.
A descida da Croix-Rousse à Presqu’île também é agradável e tomada por bares e restaurantes. Se ainda houver tempo, é possível escolher mais um bouchon para se despedir da cidade
DANIEL BUARQUE / Folhapress