SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Onze empresas apresentaram propostas no primeiro leilão para venda de energia excedente do Paraguai que ocorreu nesta sexta-feira (27). O número de participantes surpreendeu, dado que ainda há muitas indefinições sobre como a energia vai ingressar no Brasil.
Como a Folha de S.Paulo mostrou, o Paraguai fez o certame antes de o Brasil implementar as alterações regulatórias e técnicas que permitem a venda da energia no mercado local.
No grupos de interessados estão comercializadoras ligadas a grandes grupos: a italiana Enel Trading e a Âmbar Comercializadora de Energia, do grupo J&F dos irmãos Joesley e Wesley Batista. O banco BTG entrou em associação com a Engehart, sua plataforma de negociação financeira que opera em energia, agricultura, frete, metais e minerais.
Também apresentaram propostas as comercializadoras Bolt Energy, Impasa Agroindustrial, Infinity, Kroma, Mercosul Energy, Matrix, Rzk e Vitol.
Chamou a atenção a ausência da Enertrade. A empresa foi pioneira na importação de energia com países vizinhos e é considerada especialista nesse tipo de operação.
Na abertura dos envelopes, não foram divulgados os preços oferecidos. A previsão é que o vencedor seja anunciado no prazo de 30 dias.
“Não apenas o resultado, mas o próprio leilão foi surpreendente, porque ninguém estava imaginando que ele pudesse ser realizado de forma tão rápida para a importação de energia firme do Paraguai. Diversos temas ainda precisam ser endereçados, e o ministério está tratando disso”, afirmou Rodrigo Ferreira, presidente da Abraceel (Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia).
“O ministério já disse que está bem adiantado e vai emitir em agosto duas portarias para permitir essa importação, porque as importações feitas para o Brasil são interruptíveis, mas essa vai ser firme, e isso muda muita coisa, como formação de preço, lastro, custos de transporte.”
A expectativa de Ferreira é que tudo estará pronto quando chegar a hora de fazer a operação, considerada histórica. Essa importação, segundo ele, também servirá de teste para, futuramente, após a renegociação do Anexo C (capítulo do tratado de Itaipu que trata de questões financeiras), o mercado livre possa receber a energia excedente do Paraguai em Itaipu.
“Independentemente de o Paraguai ter se antecipado e providenciado o leilão antes da publicação das portarias, vejo esse como um movimento importante. Vamos ter oferta de energia competitiva e renovável, o que é bom para o consumidor, e estamos começando a pavimentar uma estrada que, um dia, permitirá a importação de energia para o mercado livre. Já foi sinalizado que, na renovação do Anexo C, haverá a possibilidade de importação de toda parcela do Paraguai em Itaipu para o mercado livre”, disse.
Reportagem da Folha de S.Paulo mostrou que existem inúmeros ajustes técnicos e regulatórios que precisam ser realizados para viabilizar a operação.
Segundo técnicos que conhecem a estrutura de Itaipu, não há como a energia do Paraguai ser entregue ao Brasil pela subestação da margem direita, seguindo pelo elo de corrente contínua de Furnas, única rota para os elétrons entrarem na rede nacional brasileira. O sistema está aparelhado para transmitir apenas energia de Itaipu. Uma lei também estabelece que essa via é para uso da binacional.
Do lado paraguaio, a usina de Acary, que faria a entrega da energia, precisa ser revitalizada e não tem condições de entregar todos os 100 MWmédios (megawatts médios) previstos na operação.
A Ande, estatal de energia do Paraguai, já disse que a entrega será “escritural”, ou seja, sem repasse de energia física. Nesse caso, afirmam especialistas do setor, a única energia que poderia ser transacionada seria de Itaipu, o que exige mudanças no Anexo C.
“Seria benéfica uma operação comercial que deslocasse 100 MWmédios do excedente de energia paraguaia de Itaipu, do mercado cativo para o mercado livre brasileiro”, afirma Jerson Kelman, que foi diretor geral da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica).
“Porém, antes é necessário emendar o Tratado de Itaipu de tal forma que essa energia seja contabilizada como paraguaia, não apenas para reduzir o pagamento pela ‘cessão de energia’, mas também para efeito de redução da Cuse [tarifa de Itaipu], pagas pelo consumidor cativo brasileiro.”
Outro técnico que concorda com essa leitura é Luiz Eduardo Barata, presidente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia.
“Entendemos que a operação será contábil, dada a impossibilidade de entrega física a partir de Acaray para o sistema brasileiro. Desse modo, utilizando o sistema de Itaipu, nos parece que a energia a ser entregue será gerada pela Usina de Itaipu, o que hoje não é permitido pelo Tratado”, afirma ele.
“A integração energética no nosso continente é bem-vindo, mas respeitando-se tratados e contratos.
Nos parece que essa operação só será legal e sustentável após a revisão do Tratado de Itaipu.”
Pelo cronograma, os governos do Brasil e Paraguai devem concluir as discussões sobre o Anexo C até dezembro. Depois, ela precisará ser validada pelo Congresso.
ALEXA SALOMÃO / Folhapress