BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Quase um quinto dos militares inativos está há mais tempo fora das Forças Armadas do que passou contribuindo para o sistema previdenciário da categoria.
Dos quase 170 mil que se encontram na reserva ou foram reformados, 140 mil acumulam mais tempo em atividade do que em recebimento de benefício. Outros 29,7 mil, no entanto, estão em situação inversa.
O Exército é a Força que apresenta a maior quantidade de aposentados com mais tempo na inatividade do que na ativa, tanto em números absolutos quanto em dados relativos.
São 55,7 mil reservistas ou reformados com mais tempo de contribuição contra 21,7 mil inativos com mais tempo em recebimento de benefício. Em relação ao número total da reserva e reforma, os que contribuíram por menos tempo representam 28%.
Na Marinha, esse percentual é de 9,6% (quase 5.000 na situação) e na Aeronáutica, 7,6% (3.100 inativos).
No conjunto das três Forças, a maioria dos casos de inatividade com menos tempo de contribuição se refere a militares reformados. Eles são 27,5 mil do total de 29,7 mil. Na reforma, ao contrário da reserva, o militar não pode trabalhar em algum braço das Forças Armadas.
A reforma acontece por três razões principais: idade, doença ou acidente. Dos 27,5 mil, 3.051 foram reformados por doença e 5.522 por acidente.
Os outros 2.097 casos são de pessoas na reserva remunerada. Nesse caso, são necessários 30 anos de trabalho para garantir o salário integral. Caso o pedido seja feito antes dos 30 anos, o militar receberá parte do rendimento.
Procurado, o Ministério da Defesa não respondeu aos questionamentos da reportagem sobre os dados.
Especialista na área militar, a professora Ana Penido, da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), diz que os números são reflexo dos privilégios históricos da categoria, que tinham uma razão de existir no passado, mas que hoje não se justificam mais.
“Durante um período longo da história republicana, a carreira não era prioritária. A Previdência militar veio no esforço de deixar a carreira mais atraente, junto com outras coisas como colégios militares, sistema de saúde”, afirma.
Ela explica que em outros países uma justificativa para a idade de aposentadoria mais baixa é a possibilidade de atuação das forças militares em conflitos. “Colocar a vida em risco é contrabalançado por um sistema de Previdência mais benéfico. Nossa última guerra foi no Paraguai e hoje parte grande da carreira é em escritório”, diz Penido.
Para ela, é necessária a discussão sobre o tamanho do contingente militar no Brasil. “Se não fizermos uma discussão de política de Defesa, do tamanho do efetivo, todo recurso novo que entrar vai ser tragado para pessoal”, afirma.
“O tamanho do efetivo é incompatível com nossa realidade e as demandas de guerra do futuro, que é mais tecnológica. Tendência dos Exércitos no mundo é de redução do efetivo e super profissionalização”, acrescenta.
Um levantamento da Folha publicado em janeiro mostrou que as Forças Armadas gastaram 85% de seus orçamentos com o pagamento de pessoal. Os gastos com militares inativos (R$ 31,2 bilhões) e pensionistas (R$ 25,7 bilhões) ficaram próximos do montante pago com os militares da ativa (R$ 32,4 bilhões).
A reforma previdenciária de militares foi realizada em 2019 na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que promoveu mudanças mais benéficas aos militares em comparação às alterações no sistema de aposentadorias dos demais trabalhadores.
Dados do TCU (Tribunal de Contas da União) mostram que, enquanto o déficit per capita (por beneficiário) do setor privado, no INSS, é de R$ 9,4 mil e o dos servidores civis chega a R$ 69 mil, nas contas dos militares o valor é muito superior. Alcança R$ 159 mil.
As distorções na Previdência dos militares voltou à tona com a necessidade de corte nos gastos públicos.
Em junho, o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, pediu aos comandantes das Forças Armadas que criem um grupo para produzir relatório detalhado sobre as aposentadorias dos militares.
A comissão será informal e terá a presença de oficiais da Marinha, do Exército e da Aeronáutica. Múcio pediu os detalhes dos benefícios dos militares para se posicionar nos debates travados no governo Lula (PT) sobre possíveis cortes na previdência da caserna.
Em meio às discussões, o Exército preparou um documento para defender que militares sigam com regras de aposentadoria diferentes dos civis. A Força afirma que os militares têm menos direitos durante a carreira e, para compensar, devem ter benefícios ao ir para a reserva –por exemplo, a manutenção do salário integral.
Entre os direitos que os militares não possuem estão o recebimento de horas extras, adicional noturno e sindicalização. A carreira ainda exige dedicação exclusiva e mudanças de cidade constantes, afirma o documento.
LUCAS MARCHESINI / Folhapress