Herdeiro sem carisma de Chávez, Maduro usou pragmatismo para ficar no poder

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Elejam Nicolás Maduro como presidente da República Bolivariana da Venezuela”, afirmou Hugo Chávez, no final de 2012, ao anunciar que precisaria fazer um novo tratamento para o câncer que o afetava desde o ano anterior.

A instrução do líder venezuelano para votar em seu então vice-presidente seria repetida à exaustão em alto-falantes durante a campanha à Presidência posterior à sua morte, em março de 2013. A disputa foi acirrada, mas Maduro conseguiu, com 50,7% do votos, dar vitória ao chavismo na ausência do líder.

Mais de 11 anos se passaram e Chávez continua sendo o maior cabo eleitoral de Maduro. A cena da indicação do sucessor foi evocada na última quinta-feira (25), último dia de campanha para as eleições presidenciais deste domingo (28). No pleito, Maduro busca um terceiro mandato de seis anos que abriria as portas para 18 anos no poder.

“Aqui está a mesa de madeira, onde, em um 8 de dezembro de 2012, às 21h, houve o encontro com nosso comandante Chávez e sua última proclamação”, disse Maduro na transmissão pela emissora estatal da Venezuela, ao som de uma música épica. “A quem ainda está se decidindo, peço sua confiança. Um voto de confiança”, continuou, em um discurso truncado distante da eloquência de seu antecessor.

Ex-motorista de ônibus e ex-líder sindical, Maduro nasceu em Caracas, em 1962, e é a síntese do projeto chavista: um homem simples e engajado que ascendeu e agora trabalha para colocar em prática o socialismo do século 21.

O atual líder do regime conheceu Chávez na primeira tentativa de golpe de Estado de 1992 na Venezuela, gestada pelo então tenente-coronel. O líder foi preso, e Maduro se tornou um ativista por sua libertação no ano seguinte.

Na política formal, o ditador chegou ao posto de presidente da Assembleia em 2005 e, em 2006, virou ministro das Relações Exteriores. A dedicação a Chávez se estendeu até as últimas semanas de vida do líder, nas quais Maduro era uma das figuras mais recorrentes no hospital em que ele estava internado, em Cuba.

“Chávez delegou a Maduro a possibilidade de continuar o processo que havia iniciado –com um problema muito sério”, afirma Nelly Arenas, doutora em ciência política e professora da UCV (Universidade Central da Venezuela). “O carisma não se transfere.”

Em seus primeiros anos à frente do país, Maduro enfrentou resistência dentro do chavismo e entre a população.

“Chávez arrastava multidões, gerava paixões. Ele era um líder querido, encarnava, para as pessoas, a possibilidade de uma vida melhor”, diz Arenas. “Essas são qualidades que não estão presentes em Maduro. Tanto que, à luz do significado dos movimentos populistas, poderia-se dizer que ele não é um líder populista. Uma das características dessas lideranças é expressar o sentimento das massas e ter o apoio da população.”

Para se manter no poder por mais de dez anos, Maduro precisou compensar sua falta de carisma com uma habilidade política que ele não tinha expressado até chegar ao topo do regime.

Segundo Colette Capriles, professora de filosofia política da Universidade Simón Bolívar, o movimento que Chávez criou em torno de sua figura abriga grupos que tinham suas diferenças neutralizadas pela autoridade do líder enquanto ele estava vivo. Após sua morte, essas cisões afloraram e desestabilizaram o poder de Maduro, então um líder emergente.

Para se manter no cargo, ele tomou duas medidas principais. A primeira foi se associar a grupos estratégicos do chavismo, desenvolvendo uma base própria dentro do movimento especialmente por meio da aliança com Jorge e Delcy Rodríguez, presidente da Assembleia e número dois do regime, respectivamente. A segunda, afinar a relação com as Forças Armadas, que tinham uma relação de subordinação com Chávez.

“Maduro estabeleceu uma relação mais de igual para igual, de aliança com as Forças Armadas. Quando vemos a legislação em torno do tema nos últimos dez anos, é impressionante perceber como os militares ganharam autonomia”, afirma Capriles. “Isso mostra um nível de pragmatismo em Maduro. Ele não é um homem dogmático.”

Com esse arranjo, o ditador conseguiu sobreviver a centenas de sanções, um presidente autoproclamado e uma hiperinflação que chegou aos impressionantes 130.060% em 2018. A repressão do regime, por óbvio, fez sua parte também na manutenção do poder –os protestos de 2017, por exemplo, deixaram pelo menos cem mortos.

A despeito da face bruta da ditadura venezuelana, Maduro tem tentado, por meio de vídeos com dança nas redes sociais, podcasts nos quais conta seu prato preferido e programas de auditório, projetar a ideia de um homem comum, no lugar da aura mítica de seu antecessor. “É a imagem de homem bonachão, sem atributos excepcionais, mas ao mesmo tempo astuto –algo muito venezuelano”, diz Capriles.

De acordo com os principais institutos de pesquisa do país, seu adversário, o diplomata Edmundo González, está na frente nas intenções de voto. Os números, no entanto, dependem de um amplo comparecimento da população e de transparência durante o processo.

“Eu não me atrevo a fazer nenhum prognóstico”, afirma a pesquisadora. “Sinceramente, por uma questão de ceticismo, acredito que talvez o governo tenha números que sejam mais precisos, em muitos casos, já que tem um controle bastante fino da população.”

DANIELA ARCANJO / Folhapress

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