CARACAS, VENEZUELA (FOLHAPRESS) – A tranquilidade com que ocorria a votação para presidente em Caracas neste domingo (28) não dava o real tom da tensão na qual a Venezuela está imersa e da incerteza na qual a população sabe que o país mergulhará seja qual for o resultado nas urnas.
Aqueles que escolheram votar o voto é facultativo guardavam a energia para acompanhar o pós-votação, a partir das 19h (18h locais). E temiam o que transcorrerá nas horas seguintes após a divulgação do resultado e, em especial, após o país saber quem foi o eleito.
Na disputa, ainda que dez candidatos estejam concorrendo ao cargo, são dois o nomes com peso real: o do ditador Nicolás Maduro, que quer um terceiro mandato e tem dito que, sem ele, o país viveria um ” banho de sangue” causado pelo “capitalismo selvagem”; e o de Edmundo González, diplomata cuja candidatura foi lançada à sombra da líder inabilitada María Corina Machado.
Em alguns centros de votação no país (são mais de 15 mil, com 30 mil urnas) a votação demorou uma hora para começar, com os votantes esperando em fila. Em outro, por sua vez, houve confusão entre os eleitores com linhas políticas opostas, que se agrediram, mas o episódio foi isolado.
Em um centro de votação da região de La Mercedes, na capital, muitos idosos aguardavam sentados e eram auxiliados pela polícia bolivariana para buscar uma sombra que os protegesse dos 28°C.
O casal de engenheiros civis Ana, 64, e Enrique Protzel, 69, já havia votado. Os dois escolheram Edmundo González, nome da oposição.
A cena era a de um esposo esperançoso e uma mulher resignada. “É um momento transcendental para a Venezuela”, diz Enrique. “Sempre pensei que as eleições eram montadas… feitas na medida para legitimar um regime.”
“Mas o que ocorreu no país ao longo destes meses foi tão marcante e importante que me fez vir”, segue ele, referindo-se às multidões que a oposição representada na ex-deputada María Corina Machado levou às ruas. “Já sofremos muito. Por um lado um resultado significa um aumento terrível da emigração. Por outro, uma transição que vai ser muito difícil. Não acho que haja saída fácil ou bonita.”
Eles dizem lamentar pelos três filhos, já formados na faculdade. Curiosamente, os pais insistem que eles saiam do país. Mas os três querem insistir na Venezuela. Os sobrinhos já quase não estão no país: de 18 no total, 15 moram em outras partes do mundo.
“Meu esposo tem esperança, isso é muito bonito. Ele teve de fechar seus negócios, eu os meus, há cinco anos. Não creio honestamente que esse senhor [Nicolás Maduro] vá entregar o poder.”
“Em uma ditadura como essa eles [nossos filhos] não vão ter o que já tivemos na vida. Um bom apartamento, um carro. Eles querem insistir em esse país. Eu quero que saiam.”
Não muito longe estava a dona de casa Estrella Fernandez, 58. Ela também votou pela oposição e aguardava o marido para buscá-la.
“A campanha foi muito desigual. Houve muita pouca divulgação da oposição e muita do governismo, que obviamente consegue por ter todos os poderes em duas mão. Mas graças a Deus agora temos as redes sociais, ainda que mesmo no YouTube eu tenha visto uma campanha de ódio. Ainda assim, não acredito que aceitem perder”, diz ela.
Estrella afirma que nunca apoiou o chavismo porque Hugo Chávez era militar, e militares “não estão habilitados para a função pública”. Ela vivia na Argentina na época da ditadura militar no país, no final dos anos 1970.
“Ainda que haja fraude, esse governo é inviável”, afirma. “Tem força letal apenas. E econômica, porque controlam tudo. Mas por quando se pode sustentar isso?”
Em regiões com maior peso da capital Caracas, opositores iam votar com a bandeira da Venezuela estampada em suas roupas. Alguns ônibus chegavam com votantes vindos de outras localidades mais distantes. Para os eleitores de Maduro, ele é o único que pode assegurar que o país “tenha paz”, dizem com frequência.
Enquanto isso, a oposição concentra boa parte de seu discurso na diáspora venezuelana, que, formada por cerca de 7,7 milhões, praticamente não pôde se registrar para ir às urnas nesse processo eleitoral.
Auxiliada por duas pessoas, Corina Parisca Pérez chegava a um centro de votação da região de Los Chorros. Mas não era para votar, e sim para aguardar sua filha: María Corina, a ex-deputada liberal que todos veem como o nome real por trás da campanha opositora.
Também Pérez se referiu aos migrantes: “Muitos poderão voltar para casa porque terão condições depois da vitória de Edmundo González”, ela dizia.
Com a indefinição do papel de sua filha em um possível governo da oposição, a reportagem também a questionou sobre o assunto. “Ela estará no cargo em que melhor puder ajudar”, desviou a mãe.
Nas ruas, há quem brinque que Edmundo González prontamente renunciaria para que María Corina assumisse. Entre seus aliados, com mais moderação, a sugestão é de que fosse, por exemplo, chanceler. Mas tudo, novamente, é incerto.
Pérez também insiste que sua filha respeitará o resultado que for divulgado pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE). Nicolás Maduro tem dito que a oposição tem um plano para não reconhecer os resultados e afirmar que foi fraude. A oposição, por sua vez, pede que os cidadãos fiquem até o final nos centros eleitorais para acompanharem, como permitem as regras eleitorais, o processo de auditoria das urnas.
A campanha opositora também tem divulgado um sondagem própria do número de participação eleitoral. Às 14h (13h do horário local), diziam que a participação era de 42,1% dos mais de 21 milhões de eleitores registrados para votar. Em 2018, nas últimas presidenciais que a oposição boicotou, a participação foi de somente 46,07%.
O domingo de votação foi escolhido a dedo pelo regime. É o dia do nascimento de Hugo Chávez (1954-2013), cuja presença, ainda marcada em milhares de fotos e desenhos pela Venezuela, a ditadura de Maduro tenta a todo o momento relembrar para catapultar sua popularidade em baixa.
MAYARA PAIXÃO / Folhapress