Demanda por laticínios de búfala impulsiona crescimento da pecuária de bubalinos

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O rebanho brasileiro de búfalos já é o maior do Ocidente —são cerca de 2 milhões de animais. Por enquanto, 80% são destinados para corte, mas a alta demanda por laticínios de búfala está alterando o cenário, sobretudo na região Sudeste.

Segundo a ABCB (Associação Brasileira de Criadores de Búfalo), só no estado de São Paulo, a pecuária leiteira de bubalinos cresceu 12% na última década, chegando a 20% de aumento no Vale do Ribeira e no sudoeste paulista.

Um conjunto de fatores está por trás desse crescimento. A rusticidade das búfalas faz com que sejam menos vulneráveis a problemas comuns ao gado, como doença do casco, mosca-dos-chifres e mastite. Os produtores também conseguem vender o leite pelo dobro do preço e, há anos, estão livres do sobe e desce comum ao comércio de leite de vaca.

Para completar, o leite de búfala tem teor de gordura duas vezes maior e 30% a mais de proteínas, o que proporciona maior rendimento na queijaria. Bastam de 5 a 6 litros de leite de búfala para fabricar 1 quilo de muçarela. No caso do leite de vaca, gasta-se até o dobro.

“O custo para o criador é menor, por isso tem muita gente trocando a vaca pela búfala. Mas o importante, para começar uma criação, é estar perto dos laticínios”, afirma Caio Rossato, presidente da ABCB.

Os búfalos chegaram ao Brasil, no século 19, pela Ilha de Marajó (PA). Os primeiros animais eram das raças indianas Murrah e Jafarabadi, enquanto os italianos da raça Mediterrânea começaram a ser importados somente no século 20. Hoje, segundo estimativa da ABCB, 80% do rebanho nacional é mestiço e tem forte vocação leiteira.

Dóceis, os animais conquistam os criadores. Proprietário do sítio São Francisco, em Itanhandu (MG), e produtor dos queijos Pérola da Serra, o veterinário Carlos Alberto Cunha cresceu entre vacas, mas converteu o rebanho em 2014 e se derrete por suas 200 búfalas.

“Elas atendem pelo nome e deitam para receber carinho. Na ordenha, nem é preciso amarrar as pernas. Os turistas que nos visitam podem montá-las e as crianças adoram abraçar os bezerros”, conta.

O manejo, diz Cunha, tem suas particularidades. Como praticamente não têm glândulas sudoríparas, búfalos sentem muito calor e dependem da água para regular a temperatura corporal. Por isso, é tão comum ver rebanhos inteiros dentro de lagos e açudes.

No sítio, além de permitir que as búfalas nadem à vontade, Cunha tem aspersores no curral —o banho antes da ordenha remove a lama, refresca e ajuda a relaxar.

Não é preciso produzir queijos para fazer bom negócio com o leite de búfala. Filho de um dos pecuaristas pioneiros em São Paulo, o médico Otavio Bernardes herdou o sítio Paineiras da Ingaí, em Sarapuí, no Vale do Ribeira, e já teve laticínio. Hoje, porém, só mantém o rebanho —80% da receita vem da venda de leite e o restante, da comercialização de embriões.

A vida reprodutiva das búfalas é bem mais longa. “Enquanto uma vaca tem quatro crias na vida, a búfala pode ter até 20”, compara Bernardes. Mas a sazonalidade é uma dificuldade para os criadores —elas entram no cio entre o outono e o inverno e parem todas juntas, no auge do verão.

“No fim do ano, justamente quando cresce o mercado para queijos frescos, não tem leite. Mas já conseguimos contornar o problema com manejo e nutrição”, conta Bernardes, que suplementa a alimentação a pasto com bagaço cítrico, sementes de algodão e resíduos de cervejarias.

Por mais atraente que seja o mercado de leite de búfala, produzir queijos ainda é o recurso que mais agrega valor à criação. Que o diga a família Souza, proprietária do laticínio Bom Destino.

A propriedade em Oliveira (MG), que se sustentava com a produção de queijos de vaca desde 1989, adquiriu as primeiras búfalas no fim da década de 1990. A proporção de bubalinos foi aumentando gradualmente e, hoje, a espécie responde por 100% do rebanho de 5.000 cabeças.

Apesar do tamanho, a fazenda só dá conta de abastecer 25% do consumo do laticínio, que chega a 70 mil litros diários. O portfólio, que inclui queijos frescos e defumados, creme de leite, requeijão e manteiga, já pôs os pés no exterior. Em maio, foi despachado o primeiro lote para Miami, nos Estados Unidos —2 toneladas de queijos variados e requeijão.

Diretor comercial com apenas 25 anos de idade, o herdeiro Aurélio Souza credita a alta demanda à boa fama do leite de búfala que, por conter apenas a beta-caseína A2, é mais facilmente digerido.

“O consumidor já entendeu que é gostoso e nutricionalmente superior ao leite de vaca. Nossa equipe está sempre testando novidades. No momento, focamos nos queijos com mofos e no leite em pó”, antecipa.

Ao redor de todo grande laticínio especializado em leite de búfala, pipocam criadores. Instalada em Sete Barras, no Vale do Ribeira, a Levitare começou bem pequena, há pouco mais de 20 anos, vendendo suas muçarelas nas feiras da região.

A família Nakid, à frente do negócio, chegou a ter 80 búfalas, mas decidiu focar na fábrica —hoje, eles adquirem leite de 250 vizinhos. “Recolhemos 26 mil litros por dia, em média, de 14 municípios do Vale do Ribeira. Nos meses de pico, chegamos a 40 mil litros diários”, conta Jorge Nakid, que assumiu a empresa fundada pelo pai.

Os 40 itens do portfólio da Levitare chegam a todos os estados, mas 60% da produção fica em São Paulo. O item mais vendido é a muçarela em barra, a mais demandada pelas pizzarias, seguida da burrata, sucesso nos restaurantes paulistas. Em embalagens individuais, os palitos de muçarela são vendidos como alternativa para o lanche da escola ou da academia.

Há mais de 40 anos no ramo, a família Almeida Prado descobriu que a alta gastronomia é outro grande filão. O laticínio em Bocaina (SP), abastecido pelo leite de rebanho próprio e de terceiros, segue a escola clássica italiana e adapta produtos ao gosto da clientela VIP.

Filha da fundadora e gestora da propriedade, Mariana de Almeida Prado conta que a marca desenvolveu uma ricota fresca para a chef Paola Carosella, vendida com exclusividade pelo empório de luxo Casa Santa Luzia, em São Paulo, e uma burrata especial para o italiano Luca Gozzani, chef executivo do Grupo Fasano.

Só uma desvantagem das búfalas, em relação às vacas, é apontada com unanimidade pelos criadores: o volume de leite, por ordenha, é bem menor. “Cada búfala rende de oito a 12 litros de leite por dia, enquanto a vaca dá três vezes mais”, compara Otavio Bernardes.

Mas até esse paradigma está por cair. No Torneio Leiteiro da Expass Agro, realizado em Passos (MG), em junho, uma búfala de Piquete (SP) produziu quase 39 litros em duas ordenhas, batendo o recorde mundial.

“Esse recorde derruba o mito de que búfalas produzem pouco e mostra que tudo depende do manejo”, defende Carlos Alberto Cunha. “É um divisor de águas.”

FLÁVIA G. PINHO / Folhapress

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