Como ‘Twisters’ ilustra a dificuldade de Hollywood em enfrentar a crise do clima

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Tempestades, enchentes e deslizamentos vêm aumentando em níveis alarmantes, afirma um personagem de “Twisters”, um filme em que a região central do estado americano de Oklahoma é destruída por um tornado a cada dois dias. “Respeite a mãe natureza”, diz outro mais para o fim do longa.

Sintomas e profilaxia estão no roteiro, mas a doença que move a trama nunca é mencionada. Apesar de “Twisters” beber, claramente, do cenário catastrófico que se desenha sobre o planeta conforme a crise do clima se agrava, ela parece não existir na ficção dirigida por Lee Isaac Chung.

“Eu queria garantir que o filme não estivesse pregando uma mensagem, porque eu certamente não acho que esse é o papel do cinema”, disse o diretor, criado no Tornado Alley, como é chamado o corredor geográfico frequentemente arrasado pelo fenômeno, à CNN americana, após críticas por não reconhecer a existência da crise do clima no roteiro.

Para Chico Guariba, fundador da Mostra Ecofalante de Cinema, dedicada a filmes socioambientais e que exibe a programação de sua 13ª edição entre esta quinta-feira (1º) e 14 de agosto, o momento atual de crise nas bilheterias e ascensão do streaming vem refreando os grandes estúdios de entrarem em temas considerados delicados ou polarizantes.

Basta olhar para Oklahoma, onde “Twisters” é ambientado, para entender melhor o desejo de Chung e dos estúdios Warner Bros. e Universal, que bancaram o filme juntos, por isenção.

Desde 1964, o estado americano não vota nos democratas na corrida presidencial. Donald Trump, que tenta a reeleição pelo Partido Republicano em novembro, chamou o aquecimento global de “boato” em diversas ocasiões, visão semeada entre sua grande massa eleitoral.

E apesar de pesquisa do Datafolha ter mostrado, no início do mês, que 97% dos brasileiros percebem as mudanças climáticas no dia a dia, nos Estados Unidos, o levantamento mais próximo daquele feito pelo instituto brasileiro, do Pew Research Center, indica que apenas 54% dos americanos veem o aquecimento global como uma ameaça –número que caiu entre 2020 e 2023.

“Hollywood não está necessariamente interessada em fazer esse tipo de filme. Ela teria que lidar com temas delicados, como numa espécie de política pública. É difícil pensar numa empresa privada, como um estúdio, investindo nesse assunto”, diz Guariba. “Eles preferem fazer dramas pessoais do que promover um movimento, porque isso não gera dinheiro.”

“Twisters” superou as projeções da indústria e arrecadou, até agora, US$ 221 milhões nas bilheterias mundiais, cerca de R$ 1,2 bilhão. E apesar de ser um filme sobre o aumento da quantidade e da força de tornados nos Estados Unidos, não espere vê-lo passar no Teste da Realidade Climática.

Recém-divulgado pela empresa de energia renovável Good Energy e pelo laboratório de estudos climáticos da Universidade Colby, no estado americano do Maine, o teste analisou quantos dos 250 longas mais populares lançados entre 2013 e 2022 reconheciam a existência das mudanças climáticas e em quais deles algum personagem estava ciente delas. Apenas 24 passaram.

Diante do resultado, a revista especializada Hollywood Reporter decidiu afunilar o estudo, buscando nas 20 maiores bilheterias americanas entre 2018 e 2020 quais produções preencheriam os dois requisitos. Apenas “Aquaman”, “Jurassic World: Domínio”, “Venom” e “Velozes e Furiosos: Hobbs & Shawn” o fizeram.

Curiosamente, o estudo também mostrou que os filmes que reconhecem a existência da crise do clima tiveram um desempenho 8% maior nas bilheterias. A porcentagem chegou a 10% no caso daqueles em que um personagem verbaliza o assunto.

“Blockbusters como ‘Mad Max’, ‘Avatar’ e ‘Duna’ tocam em temas climáticos, mas ainda há uma relutância em enfrentar o assunto de forma direta”, dizem J. English Cook e Alec Turnbull, fundadores do Festival de Filmes Climáticos, que em parceria com o braço americano do jornal The Guardian terá sua primeira edição em setembro.

“Há uma impressão equivocada de que o público não tem interesse por histórias desafiadoras e que, portanto, falar da crise do clima pode ser um tédio. Mas não podemos cair na armadilha de que o tema é monótono, sempre sombrio e triste. Há histórias atraentes para contarmos a partir dele”, afirmam, reforçando, no entanto, que a ambiguidade e imaterialidade da crise pode tornar o assunto pouco prático numa tela de cinema.

Como a dupla lembra, Hollywood até vem escondendo mensagens ecologistas em seus filmes mais comerciais, mas de forma sutil, por vezes lúdica. É o caso de “Moana”, em que a mãe natureza ganha corpo, ou da franquia bilionária “Avatar”, movida pelo desejo do homem de destruir todo um ecossistema para acumular riqueza.

Olhar para o espaço como alternativa para uma Terra já desgastada também é a essência de “Interestelar”, “Elysium” e “Wall-E”.

Cada país também parece perceber o problema da sua maneira, com menos ou mais sensibilidade e assimilando particularidades culturais. No Brasil, lar da maior parte da Amazônia, o ambientalismo está em alta, em especial por meio de filmes que foram feitos por ou que retratam indígenas e dão ênfase para a sua relação com a floresta, como recém-lançado “A Flor do Buriti”.

“Aruanas”, série original do Globoplay com Taís Araujo, Camila Pitanga, Leandra Leal e Débora Falabella, retratou em duas temporadas o ativismo de líderes de uma ONG que investiga crimes ambientais. “Cidade Invisível”, em que a Netflix e Marco Pigossi resgatam o folclore brasileiro, também frisou a crise conjugal entre homem e natureza.

Chico Guariba, da Mostra Ecofalante, diz que o Brasil ainda é carente no assunto, dada a quantidade de catástrofes naturais que presenciamos, mas comemora os esforços recentes, em especial no gênero documental, e o interesse crescente por seu festival.

Na Ásia, em especial no Japão, com seu cinema mais reflexivo e sensível, não há ativismo ou tom de denúncia escancarados, mas uma abordagem mais existencialista do assunto. Grande exemplo disso é a filmografia superpopular de Makoto Shinkai, que inclui a animação “O Tempo com Você”, a 11ª maior bilheteria da história para um filme japonês.

No desenho, vemos uma Tóquio em cataclisma, próxima demais da realidade do Rio Grande do Sul nos últimos meses. É o preço de um egoísmo generalizado, que se impõe sobre o equilíbrio natural do planeta. Em meio aos belos desenhos e ao amor pueril da trama, a mensagem acaba soterrada, mas ela está lá.

Atualmente em cartaz, “O Mal Não Existe”, de Ryusuke Hamaguchi, é outro que toca no assunto, mas só após muita metáfora e reflexão. E, voltando um pouco mais no tempo, “Princesa Mononoke”, do Studio Ghibli, assim como muitos filmes de Hayao Miyazaki, também tem a relação com a natureza como seu epicentro.

Entre os europeus, exemplos recentes são a coprodução entre França e Canadá “Hora do Massacre”, sobre um grupo de ecologistas perseguido por um assassino, também em cartaz, e o alemão “Afire”, um drama instigado pelo calor e a fuligem de incêndios florestais que batem à porta de seus protagonistas.

Nos Estados Unidos, a cautela é maior. Hollywood, afinal, é ela própria uma máquina, que também segue uma cartilha ambiciosa de crescimento. Talvez o exemplo mais óbvio de uma grande produção que levantou a bandeira seja “Não Olhe para Cima”, criticado por muitos pela falta de sutileza, mas comprometido em mostrar a hipocrisia da indústria da qual faz parte.

Em Hollywood, afinal, não há escassez de estrelas e executivos que se dizem liberais e não poupam gritos de guerra. Alguns, como Jane Fonda e Shailene Woodley, de fato botaram a mão na massa e chegaram até a ser presos por protestar pelo meio ambiente. Mas o contraste é enorme quando lembramos das emissões de gás carbônico dos jatinhos privados de figurões como Taylor Swift e Steven Spielberg.

MOSTRA ECOFALANTE DE CINEMA

– Quando De 1º a 14 de agosto

– Onde Confira a programação em ecofalante.org.br

– Preço Grátis

TWISTERS

– Onde Nos cinemas

– Classificação 12 anos

– Elenco Daisy Edgar-Jones, Glen Powell e Anthony Ramos

– Produção EUA, 2024

– Direção Lee Isaac Chung

LEONARDO SANCHEZ / Folhapress

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