Venda de sentenças na BA volta a ser alvo do STJ, e CNJ reativa pente-fino em corte

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Quase cinco anos após a primeira fase da Faroeste, a maior operação contra venda de decisões judiciais do Brasil, o Tribunal de Justiça da Bahia continua na mira do STJ (Superior Tribunal de Justiça), do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e da Polícia Federal.

Nos últimos meses, duas desembargadores baianas se tornaram rés (uma delas pela segunda vez) no âmbito da operação, juízes do sul do estado foram afastados sob suspeita de irregularidades em questão fundiária e um magistrado da região oeste disse sofrer ameaças por julgar casos relacionados a grilagem.

No início deste mês, a Corregedoria Nacional de Justiça decidiu fazer uma investigação diante de nova suspeita de irregularidades no tribunal, com convocação de testemunhas e análise de equipamentos eletrônicos.

Ao mesmo tempo, o corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, determinou uma apuração profunda sobre o tribunal, em decorrência de “gravíssimos achados”.

Entre eles, estão problemas na vara de Salvador encarregada de analisar casos de lavagem de dinheiro e organização criminosa. Há relatos de atrasos dos juízes em audiências, ineficiência e servidores da vara com temor de represálias de magistrados.

O TJ-BA foi procurado, por meio da assessoria, para comentar a inspeção do CNJ. O órgão disse que só se manifestará após o encerramento dos trabalhos.

Reservadamente, interlocutores da corte baiana suspeitam da possibilidade de as investigações revelarem o uso das estruturas institucionais para intimidação, inclusive por meio de coleta de dados clandestina.

Um dos órgãos analisados pelo CNJ, o Gabinete de Segurança Institucional, foi um dos principais alvos de investigações relacionadas à Operação Faroeste.

Para autoridades que acompanham o caso, é necessário “tentar moralizar” a Justiça da Bahia e elaborar um plano de gestão para a correção dos problemas.

No mesmo dia em que a investigação do CNJ foi aberta, a Polícia Federal deflagrou nova fase de um desdobramento da Faroeste e mirou o advogado Rui Barata Filho, filho de uma desembargadora afastada e apontado por delatores como um dos operadores de vendas de sentenças.

Procurada, a defesa de Barata diz que “recebeu com estranheza” a busca e apreensão.

O advogado Marcelo Leal afirma que, em todas as oportunidades em que foi chamada, a defesa se colocou à disposição e prestou os esclarecimentos devidos e que não teve acesso aos fundamentos da decisão.

“A Operação Faroeste teve início há mais de quatro anos, nada justificando uma medida como essa no presente momento processual”, afirmou.

“Por outro lado, os fatos que se busca apurar já foram esclarecidos e não constituem crime. Prova disso é que nada foi encontrado nos endereços de Rui Barata que pudesse servir de prova ao inquérito.”

Em abril, a Corte Especial do STJ recebeu, em votação unânime, uma denúncia do Ministério Público Federal e tornou rés a desembargadora Maria do Socorro Barreto Santiago e outras pessoas. Ela é acusada de corrupção e lavagem de dinheiro.

Maria do Socorro é ex-presidente do tribunal e foi acusada de favorecer em suas decisões o empresário Adailton Maturino, conhecido como “falso cônsul” da Guiné-Bissau, em uma disputa de terras. A magistrada já tinha se tornado ré em outra ação da operação, em 2020.

Um mês depois, em maio deste ano, a desembargadora Maria da Graça Osório Pimentel Leal também se tornou ré. A Procuradoria acusa a magistrada de ter recebido propina, por meio da sobrinha, para decidir a favor de Maturino.

Procurado, o advogado de Maria do Socorro, Bruno Espiñeira Lemos, diz que há um “verdadeiro overcharging” [acusação excessiva] contra a sua cliente.

“Os assuntos são circulares, ou seja, nada novo. Não tem uma prova concreta contra a minha cliente, só uma narrativa construída lá atrás e que vem sendo cuidadosamente desconstruída nos autos”, afirma Espiñeira.

O advogado de Maria da Graça e da sobrinha, Gamil Föppel, diz que a acusação contra elas é “uma coleção invulgar de sofismas, que não se sustentarão na instrução processual”.

A defesa diz confiar que, durante a tramitação processual, com respeito ao contraditório e igualdade de condições entre acusação e defesa, “serão infirmadas as premissas acusatórias e, ao final, será proferida decisão de absolvição, reconhecendo-se a inocência” das duas.

As duas desembargadoras estão afastadas de suas atividades.

Nos dois processos, Maturino também foi acusado e se tornou réu. Sua defesa sempre negou que ele tivesse cometido irregularidades.

Em junho, três juízes de Porto Seguro, no sul do estado, foram afastados também sob suspeita de estarem relacionados a um caso de grilagem de terras.

No mesmo mês, em um despacho sobre disputa de terras na região de Coribe, no oeste do estado, o juiz Thiago Borges Rodrigues disse, antes de fundamentar sua decisão, que “não se sentirá intimidado por quem quer que seja”.

“Fica o registro de que as tentativas de intimidações a este magistrado serão interpretadas não como ataques pessoais, mas como vilipêndio à magistratura e ao Poder Judiciário como um todo, pois é de bom alvedrio rememorar que o magistrado, por si só, é um órgão em si e, portanto, o próprio Poder Judiciário”, afirmou.

O juiz decidia em um dos casos relativos a um empresário do agronegócio alvo de ações há mais de duas décadas, em que ele é acusado de atuar com funcionários armados com o objetivo de grilar terras na região. Mais de uma dezena de juízes já desistiu de julgar seus processos.

JOSÉ MARQUES / Folhapress

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