SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Com animações e instalações artísticas criadas por inteligência artificial para estimular a interação entre observador e obra, o Festival Internacional de Linguagem Eletrônica, ou File, explora neste ano a tecnologia que se tornou o estopim para revoltas da classe artística.
No ano passado, Hollywood parou por 118 dias quando roteiristas e atores protestaram contra a reutilização de seus textos e imagens pelos estúdios, que já usam a tecnologia. Na última quinta, o Sindicato dos Atores de Hollywood declarou uma nova greve contra dez das maiores empresas de games dos Estados Unidos, por motivos similares. Enquanto isso, dubladores em todo o mundo se organizam para enfrentar contratos em que a repetição de vozes com uso de IA é prevista.
As águas são turvas também nas artes. No ano passado, o prêmio Jabuti, um dos mais importantes de literatura do Brasil, desclassificou um livro da competição após descobrir que sua ilustração foi feita com IA. Nos Estados Unidos, pipocam processos de artistas contra empresas de IA, enquanto outros procuram a Justiça para validar como arte projetos constituídos com a tecnologia.
Ricardo Barreto, curador da File, está do lado daqueles que acreditam que uma pintura ou ilustração feitas com inteligência artificial não deixam de ser arte. “A arte sintética não é produzida só com a inteligência artificial. Sempre tem humanos dando o direcionamento. Ou seja, sem o humano não seria a arte”, diz.
Uma das instalações da mostra foi desenvolvida por ele, em que o observador é convidado a ficar de pé entre três telões enormes que exibem animações psicodélicas feitas com IA, enquanto utiliza uma espécie de fone de ouvido com infravermelho. Ao encarar cada uma das telas, o áudio muda de acordo com o filme que se está olhando.
A ideia de Barreto era criar uma possibilidade de cinema interativo que, segundo ele, deverá surgir no futuro. “[Hoje] O cinema é coletivo. Como fazer um cinema interativo e coletivo? Aqui temos três telas, mas poderiam ser 30, e seria possível assistir simultaneamente todos os filmes”, diz.
Os hiperestímulos associados ao nascimento de uma geração ansiosa estão na conta das redes sociais, diz Barreto. Mas o curador admite que, caso a IA inunde o entretenimento, será necessária uma “formação” de crianças, adolescentes e até adultos, para prepara-los para o mundo que estaria por vir.
A File também apresenta outras obras desenvolvidas a partir da tecnologia. É o caso de “Cascade”, de Marc Vilanova, em que cordas luminosas são penduradas em pequenos protótipos no teto, programados para repetir as ondas sonoras geradas por diversas cachoeiras ainda que mais desenvolvida, a instalação parece um aceno aos artistas cinéticos da década de 1960. Ou, ainda, uma fotografia quântica da carioca Gabriela Barreto Lemos, que provoca para os limites entre física e arte.
Outro trabalho exposto, dos arquitetos Hassan Ragab e Lukas Radavicius, é uma espécie de animação que mostra a metamorfose de um edifício em construção, que muda de forma de acordo com os “prompts” comandos por voz ou escritos dados pela dupla. Ao abastecer a IA com referências arquitetônicas diversas, a tecnologia apresentou, simultaneamente, múltiplas possibilidades para aquela paisagem.
Algo similar ocorre em “The Forgettable Art Machine”, instalação em que a imagem do visitante diante de uma tela é transformada, em apenas alguns segundos, em uma pintura de traços estilísticos diferentes que poderiam ter sido pintados por um expressionista alemão ou um futurista russo, por exemplo. No instante seguinte, a imagem se desintegra para sempre.
“A IA não cria nada. Ela demonstra as variantes daquele tema”, diz Barreto, motivo pelo qual, segundo ele, não será possível que as maquinas fiquem independentes dos humanos. Mas o avanço da tecnologia é incontornável, ele diz, e outra distopia está reservada à humanidade. “Quem não mudar vai ficar para trás e vai ficar pobre. É aquela coisa inevitável.”
“Essa ferramenta dispensa um monte de gente, mas será possível fazer coisas incríveis. O que vai mudar são as formas de trabalhar. Um filme desse dispensa atores, mas você constrói outros atores. Às vezes, através de atores. É um nível [tecnológico] que permite trabalhar mais a criatividade e dispensa o trabalho manual e braçal.”
À reportagem, ele diz, jornalistas serão sintéticos. “Mas por trás tem uma equipe enorme. As máquinas sozinhas, elas não sobrevivem, elas sempre vão depender do humano. É uma simbiose.”
ALESSANDRA MONTERASTELLI / Folhapress