SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Igreja Universal do Reino de Deus já era gigante quando, no dia 31 de julho de 2014, o bispo Edir Macedo apareceu diante das mais altas autoridades do país de quipá e uma barba branca que lhe dava ares de profeta de Israel.
Era dia de celebrar. Macedo inaugurava seu Templo de Salomão, projeto de R$ 680 milhões que ocupa um quarteirão do Brás, bairro paulistano famoso pelo comércio popular de roupas. O beija-mão ao bispo incluiu a presidente Dilma Rousseff, o governador paulista, Geraldo Alckmin, e o prefeito da cidade, Gilberto Kassab –todos rodados em quilometragem política e ainda hoje em evidência.
A obra, segundo a igreja, consumiu material suficiente para construir dois palácios do Planalto. Tem oliveiras centenárias e pedras importadas da Cisjordânia. Não deixa de ser um emblema do capital político acumulado pelo líder evangélico que começou a pastorear nos anos 1970, num coreto do Rio que irradiava “cheiro de urina e coco” e reunia “as pessoas mais desgraçadas”, como Macedo lembraria em 2017.
Uma década depois, o Templo de Salomão consolida-se como “soft power” maior da instituição. Não traz na fachada nem seu logo “Jesus Cristo É o Senhor” nem a pomba dentro do coração, símbolo do Espírito Santo. Não à toa. Mais do que pregar para convertidos, a ideia é vender uma Universal, no fim das contas, mais universal, que sirva de denominador comum à fé cristã.
“A igreja veio construindo uma ideia de sacralidade, e consequentemente de autenticidade e legitimidade, que atinge seu ápice com o templo”, diz a antropóloga Livia Reis, do Instituto de Estudos da Religião. “O fiel encontra não apenas um santuário, mas a possibilidade de saber mais sobre o Antigo Testamento, sobre a própria história da Universal, de ver figurino de novelas bíblicas da Record. Os guias falam diversas línguas, inclusive hebraico, e recebem não religiosos, curiosos, caravanas de outros países. Ao mesmo tempo, é a materialização da aliança do Deus da Universal com seus fiéis. É muito potente.”
Macedo apostou na ideia de transcendentalidade ao discursar na abertura do edifício que ergueu à imagem e semelhança do original bíblico do rei Salomão. “Vou para 70 anos de idade, quantos anos tenho mais de vida ativa? Talvez mais uns 10 ou 15. Mas se chegar aos 90, o que vai me restar?”
Macedo, agora com 79 anos, prega num contexto bem diferente daquele de uma década atrás, dentro e fora de sua igreja.
Não descuidou da expansão internacional de seu império religioso, mas teve de debelar rebeliões internas, como um racha na Universal na Angola. A centralização em torno de sua figura permanece, embora pessoas próximas digam que o genro Renato Cardoso tem sua simpatia para sucedê-lo.
Continua em marcha o projeto político esbugalhado em “Plano de Poder”. Macedo, conhecido por uma postura mais isolacionista em relação a pares evangélicos, neste livro fala em unir forças. “As questões ideológicas e doutrinárias denominacionais devem ficar à parte”, diz. “Do contrário, deixaremos de cumprir algo que é comum a todos nós, cristãos: executar o grande projeto de nação idealizado por Deus.”
Costela partidária da Universal, o Republicanos dilatou sua influência eleitoral nesses dez anos. Se no passado abrigou José Alencar, vice de Lula, agora tem o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. “Não se sabe se um dia conseguirão eleger um presidente, mas isso sempre se falou, não oficialmente, mas internamente”, afirma Gilberto Nascimento, autor de “O Reino”, uma radiografia da Universal.
O PT tinha muito mais amigos na liderança evangélica em 2014, as redes sociais ainda não estavam com essa bola toda no debate público e nenhum pastor de grande porte levava a sério uma já embrionária ambição presidencial de Jair Bolsonaro (PL).
Macedo, que desde Fernando Collor em 1989 apoiou todos os presidentes da ocasião, aderiu ao bolsonarismo e usou a máquina midiática da igreja para demonizar a esquerda. Mas sem fechar as portas de vez para Lula. Quando o petista venceu em 2022, o bispo falou em perdoar e “bola pra frente”.
A oratória de Macedo preserva elementos há décadas em seu discurso –como a renitente mágoa pelo mau tratamento que julga ter recebido nos anos 1990, anos “de martírio”, segundo ele. Ele tematizou então denúncias na mídia, que o pintava como um pastor afoito para tirar dinheiro dos fiéis, e chegou a ficar 11 dias preso, sob acusações de curandeirismo, charlatanismo e estelionato que não prosperaram.
No primeiro domingo de julho, resgatou o ressentimento em culto no Templo de Salomão. “Preferia ser um cachorro vadio do que ser eu por conta da situação”, disse. Não via TV para não se intoxicar “com notícias desgraçadas” que saíam sobre ele.
“Cadê o salafrário?”, ironizou Macedo no púlpito, o tom desafiante. “O salafrário continua aqui. Sou o mesmo, falo a mesma coisa.”
Já sua Universal busca uma mudança de perfil, diz Gilberto Nascimento. “Deixou de ser uma igreja com penetração só nas camadas mais pobres da população. Hoje foca bastante a classe média. Por exemplo, com cultos para empresários. O discurso da prosperidade, do empreendedorismo, é muito mais forte.”
Nos últimos dias, alguns das reuniões anunciadas no endereço: “A Noite dos Grandes Sonhos”, “Noite dos Casais”, “FJU [Força Jovem Universal] Next Generation”.
A ascensão do bispo Renato Cardoso, para Nascimento, tem a ver com a guinada. Junto com Cristiane Cardoso, filha do chefe, ele investiu em programas como The Love School, com conselhos sentimentais. Também se engaja no debate político. É tido como mais bolsonarista do que a velha guarda da Universal. Foi ele quem disse que um cristão de verdade não pode ser de esquerda.
“Macedo ainda é a liderança absoluta e quem toma as decisões principais. Acho que, até por conta da idade, talvez cuide menos das miudezas. Mas ele deu mais espaço para Renato e a filha Cristiane.”
Quando a reportagem esteve no templo, foi para o genro que Macedo passou o bastão após terminar sua pregação.
Há regras de conduta para entrar lá, aliás. Nada de “minissaias ou outras roupas indiscretas e indecorosas”, nem bermudas, chinelos e camisetas de time ou teor político. Celular também não pode –há guarda-volumes para quem levar o seu.
O fiel pode participar de um tour pelos arredores do templo, o Jardim Bíblico. A repórter o fez em junho, a convite do bispo Eduardo Bravo, à frente da Unigrejas, espécie de órgão para relações institucionais da Universal.
Ele apresentou o Jardim das Oliveiras, com exemplares importados do Uruguai, originais de Israel e idades de até 450 anos. Em Israel, há árvores dessas entre nós “desde a época de Jesus”, conta. As do Brás deram azeitonas pela primeira vez. Viraram azeite para ungir “o povo da igreja”.
Em 2018, Universal, Ministério Público e prefeitura fecharam um acordo para regularizar a situação do templo, com emissão de alvarás pendentes. Em breve, segundo o Executivo municipal, deve chegar o “habite-se”, documento obrigatório para imóveis. Também falta elaborar “diretrizes de reparação do dano ambiental”, algo que está em “fase de vistoria”.
O barulho dos carros lá fora, mais a musiquinha do caminhão de gás, servem de trilha sonora enquanto o bispo Bravo diz que mais de 400 mil pessoas fizeram o mesmo passeio, que é gratuito.
No fim, uma lojinha com acessórios e livros como “Tecnicamente Virgem – Qual o Limite?” e “Rien à Perdre”, versão em francês de “Nada a Perder”, autobiografia de Macedo.
ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER / Folhapress