PARIS, FRANÇA (FOLHAPRESS) – Derrotada em sua estreia nos Jogos de Paris, na manhã francesa de quinta-feira (1º), Mayra Aguiar teve rapidamente interrompida sua tentativa de obter uma medalha individual pela quarta edição olímpica consecutiva. A judoca de 32 anos se emocionou ao fim do embate com a italiana Alice Bellandi e apontou as dores que a acompanham.
“Eu já passei do meu limite. Já tem um tempo que eu venho mentindo até para o meu corpo, mentindo que está tudo bem. Eu tenho oito cirurgias no corpo, a primeira com 16 ou 17 anos. Eu sinto essa cirurgia até hoje. E sinto a outra. E sinto a última. Aprendi a treinar assim, a lutar assim, mas nos últimos anos tem sido mais difícil”, afirmou, entre lágrimas.
“É um preço que a gente paga, né? Chega uma idade em que, por mais que eu esteja mentindo, que faça minhas meditações, meu fortalecimento, meu tudo, por mais que finja que está tudo bem, é difícil. Não dá para brigar tanto com o nosso corpo. A gente tem o nosso limite, mas eu fui até onde consegui, até onde o corpo deixou e até onde não deixou também”, acrescentou.
Os problemas de Mayra são sobretudo nos joelhos, com seguidas rupturas de ligamento e procedimentos cirúrgicos. Eles não a impediram de participar de cinco Olimpíadas consecutivas. Conquistou a medalha de bronze em três delas Londres-2012, Rio de Janeiro-2016 e Tóquio-2020, na categoria até 78 kg, a mesma em que atuou na edição Paris-2024.
Com um currículo que inclui também três títulos mundiais, a gaúcha foi procurada por diversos veículos de imprensa antes do embarque à capital francesa, porém preferiu não conceder entrevistas. Também participou de poucas competições, controlando as dores, o que a fez cair para a 12ª colocação no ranking mundial.
“Fiquei um pouco mais excluidinha, mais fechadinha mesmo, até peço desculpa para quem foi atrás de mim, o pessoal estava enlouquecido: Está tudo bem, Mayra?. Não, não estava, mas, para não ficar reafirmando isso, talvez para ser mais fácil, eu menti para mim mesmo. Talvez eu tenha me fechado mais por conta disso também”, observou.
A reclusão tirou da brasileira a condição de cabeça de chave nos Jogos Olímpicos, e o sorteio não lhe foi simpático, com um encontro logo de cara com a líder do ranking. Foi um duelo equilibrado, no qual Alice Bellandi demonstrou bastante respeito pela adversária, com uma técnica baseada em buscar punições.
Ao fim dos quatro minutos de combate, cada uma havia recebido duas advertências (shidos), por falta de combatividade ou entrada falsa. A disputa foi, então, para o “golden score”, no qual a primeira pontuação definiria a vencedora. Mayra chegou a ser salva por uma revisão da arbitragem antes de levar um waza-ari.
“Eu sabia que seria uma luta dura. Talvez eu não tenha aprendido a jogar esse estilo de luta, um pouco mais estratégica. Tenho treinado isso, mas é um estilo difícil para mim, porque eu vou muito para cima. Eu procuro muito a adversária. Mas foi uma luta mais estratégica, de shido, de punição”, descreveu, novamente com dificuldade para segurar as lágrimas.
“É doído, é um saco. A gente se doa tanto. Doa a saúde, doa o tempo da família, doa a parte mental, tem dieta rígida, restrita, treina todo dia com dor. Quando acaba assim, é muito ruim, dá uma raiva, uma aflição, uma angústia, parece um bicho que quer gritar. Agora é deixar sair esse sentimento”, acrescentou.
Os Jogos de Paris ainda não terminaram para Mayra, que deverá retornar à Arena Campo de Marte na manhã francesa sábado (3), para a disputa mista por equipes do judô. Até lá, terá algum tempo para lamber as feridas e brigar por sua quarta medalha olímpica no dia de seu aniversário de 33 anos.
“Sempre que doeu muito, eu me levantei muito forte. Quanto mais dói, mais a gente se fortalece, e talvez eu esteja me apegando a isso agora. Este é um momento de chorar, de ficar aflita, de querer gritar, e vou gritar, vou fazer manha de criança, mas amanhã já vou estar de pé. É a isso que eu me apego.”
MARCOS GUEDES / Folhapress