‘Fui demitida por jogar na seleção’, atleta de basquete fala de depressão

SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – Clarissa dos Santos desistiu do basquete por dois anos. O ambiente hostil, as broncas, cobranças e comportamentos com os quais ela não concordava dentro da modalidade fizeram com que ela perdesse a vontade de jogar e entrasse em depressão.

“Só se passou a falar de saúde mental no esporte recentemente, após a Simone Biles não competir porque não estava bem. Sempre aconteceu de atleta que do nada surtar, mas a gente não falava nada. Você só segue em frente”, disse com exclusividade para o UOL.

Os problemas começaram em 2016, quando ela foi demitida por “faltar ao trabalho” do clube em que atuava. O motivo? Aceitou uma convocação da seleção brasileira de basquete feminino. Mas foi só em 2019 que ela chegou ao seu limite.

“Eu jogava na França, tive uma lesão, e queria tratar no Brasil. Pedi ao médico da seleção enviar uma carta para o meu clube, pedindo a minha liberação. Só que rolava um medo deles de se comprometer”, contou. Segundo ela, não teria problema em perder o contrato. Ela só queria se tratar em seu país. Mas não teve apoio.

Aí teve pandemia, eu me recuperei, voltei a jogar na Turquia, na França, Euroliga, mas tive uma sobrecarga no joelho. E de novo a briga de egos, vários confrontos que não seriam necessários se a gente trabalhasse de forma mais unificada, pelo basquetebol brasileiro. Se fosse só tratar e voltar, em três meses eu estaria na quadra de novo. Mas o ambiente externo não me permitia ficar bem, Clarissa dos Santos

EMBATES DO DIA A DIA

Clarissa não disse os nomes de profissionais que se comportaram mal porque, segundo ela, o problema é sistêmico. “O basquete brasileiro nesta quinta-feira (1) é briga de quem quer mandar mais e quem conquista mais território. Vale para clubes, dirigentes e comissões técnicas”, diz.

Ela chegou a ser repreendida por fazer uma publicação em sua rede social contra o racismo. “Teve um episódio bizarro. Uma reunião em que começaram a contestar postagens sobre racismo. Um monte de gente branca falando que você não pode falar de racismo, e quando eu questiono a postura deles é como se alguém tivesse colocado coisas na minha cabeça. Eu não posso formar pensamento, não tenho capacidade intelectual para formar meus pensamentos. Oi?”, relata.

Ser parte da seleção se tornou um fardo mental – para ela e outras atletas.

A seleção era para ser um lugar alegre (ainda que de muita responsabilidade) mas se tornou um lugar tenso. A impressão é que você já chega lá devendo alguma coisa. Todo mundo com quem converso fala isso, Clarissa dos Santos

Por isso, quando recebeu o diagnóstico de depressão, Clarissa afirmou que não tinha um motivo, e sim, uma soma de fatores. “Fui perdendo a vontade de voltar. Para estar em quadra de novo eu precisaria treinar, me cuidar, me alimentar bem. Só que eu simplesmente não estava com energia para encarar os embates”, conta. Ela precisou de dois anos para retornar às quadras.

“Entender o que estava acontecendo levou um tempo, tive que dar um reset. Só na metade do ano passado, após quase dois anos parada, eu decidi tentar voltar. Não seria pelos outros, seria por mim”, diz.

DEMÉTRIO VECCHIOLI / Folhapress

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