Após recepção frustrada, indígenas farão cerimônia para o manto tupinambá

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O manto tupinambá novamente estará no centro de cânticos e rezas ancestrais indígenas, após ter sido levado à Europa no século 17. Ao chegar no Brasil, em repatriação no início de julho, os tupinambás relataram insatisfação por não poderem receber a relíquia com seus rituais sagrados.

Mas agora os indígenas poderão ter contato com a peça. O Ministério dos Povos Indígenas (MPI) confirmou para os dias 29, 30 e 31 de agosto a cerimônia de celebração de chegada do manto ao Museu Nacional, no Rio de Janeiro. O evento ocorre antes da exibição oficial ao público.

Segundo o MPI, a primeira cerimônia de reza ocorrerá somente com a presença de lideranças indígenas e pajés, que terão o dia todo para realizar as atividades de acolhimento, proteção e bênçãos. O evento será na sala de exibição, na Biblioteca Central, localizada no Horto Botânico, onde o item deverá ficar exposto ao público a partir do dia 31.

A cacica Jamopoty Tupinambá (Maria Valdelice Amaral de Jesus), de 62 anos, conta que deu prosseguimento a luta de sua mãe, Nivalda Amaral de Jesus, pelo retorno do manto. Em 2000, a matriarca chegou a ter acesso à peça na Mostra do Redescobrimento, que aconteceu no parque Ibirapuera, na capital paulista.

A partir dessa viagem, diz a cacica, os tupinambás chegaram ao consenso de que lutariam pela repatriação do artefato, que é protagonista de histórias contadas a gerações, o que se concretizou mais de 20 anos depois.

Sem a presença da mãe, Jamopoty viajará de sua aldeia em Olivença, distrito de Ilhéus, na Bahia, até o Rio de Janeiro, para a cerimônia de celebração. Para o povo tupinambá, o evento representa resistência e identidade, segundo ela.

“O retorno do manto de 400 anos é para o governo brasileiro observar que o povo tem raiz. É um tronco que tocaram fogo, mas brotou novamente. Ainda estamos aqui. E agora precisamos de nossas terras demarcadas. Fomos os primeiros indígenas de contato”, disse ela, em relação à chegada dos portugueses em 1500, quando começou a colonização do país.

Jamopoty diz ainda que o seu povo foi um dos que mais sofreu, no passado, com a escravidão e o massacre frutos da colonização. Séculos depois, os tupinambás lutaram para provar que ainda existiam, diante de registros de livros de história, que afirmavam que eles tinham sido extintos.

“O manto é do povo do Tupinambá. A fala é da ancestralidade. A força é do nosso povo. Ele vai ficar no Museu Nacional, com livre acesso. Nós não estamos perto dele, estamos muito longe, mas na espiritualidade está perto. O manto estará nos dando força para enfrentar as barreiras”, afirmou.

O manto, uma peça de cerca de 1,20 metro de altura por 80 centímetros de largura, é considerado uma entidade sagrada pelos indígenas tupinambás. Ele teria sido levado à Europa por holandeses, por volta de 1644.

Confeccionado em sua maioria com penas de guarás, mas também com plumas de papagaios, araras-azuis e amarelas, a peça foi doada pelo Museu Nacional da Dinamarca, que detém desde 1689 outras quatro peças como essa.

Embora existam registrados 11 mantos espalhados pelo mundo, esta é a primeira vez que a peça fará parte do acervo de um museu brasileiro.

De acordo com a pesquisadora Amy Buono, professora de história da arte da Universidade de Chapman, nos Estados Unidos, além da peça que agora está sob posse do Brasil, todas as demais estão na Europa, conforme a lista abaixo:

Copenhague, no Museu Nacional da Dinamarca, tem 4 mantos;

Florença (Itália), no Museu de História Natural de Florença, tem 2 mantos;

Basileia (Suíça), no Museu das Culturas, tem 1 manto;

Bruxelas (Bélgica), no Museu Real de Arte e História, tem 1 manto;

Paris (França), no Museu das Artes e Civilizações da África, Ásia, Oceania e Américas, tem 1 manto;

Milão (Itália), na Biblioteca Ambrosiana, tem 1 manto.

JORGE ABREU / Folhapress

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