Legalização de jogos de azar on-line pode causar caos no sistema de saúde pública

Segundo Rodrigo Machado, a legalização desses jogos até pode beneficiar a economia, mas o País não tem estrutura para tratar o vício em jogo

Os níveis de atenção à saúde são insuficientemente preparados para lidar com o vício em jogos de azar – Foto: Steve Buissinne/Pixabay

Portaria do Ministério da Fazenda enquadra modalidades de jogos de azar na categoria jogos on-line com certificados e um conjunto de normas, mas para especialistas a legalização pode causar um caos na Saúde Pública, já que o País não tem estrutura para tratar o vício em jogos, chamado de “jogo patológico”. Rodrigo Machado, psiquiatra do Programa de Transtornos do Impulso do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina (FM) da USP, comenta os impactos na saúde causados pelo jogo de azar, considerado uma doença pela Organização Mundial da Saúde (OMS) desde 2018.

Segundo o especialista, dados de países que já adotaram a legalização desses dispositivos mostraram que a procura por atendimento especializado pode aumentar em até quatro vezes. Ele explica que essa realidade impõe um desafio significativo para os sistemas de saúde de cada nação, os quais precisam estar preparados para lidar com o aumento significativo na demanda.

“Nós entendemos que essa nova medida pode trazer potenciais benefícios financeiros para um país, obviamente isso deve acontecer. No entanto, para isso acontecer de fato é necessário que os países estejam devidamente preparados e estruturados, com um plano de ação muito adequado a como fornecer saúde para essa população e como capacitar profissionais para lidar com esses novos pacientes”, conta.

Dificuldades

Conforme o psiquiatra, a falta de capacitação nacional é um problema central, pois no Brasil, os níveis de atenção à saúde — primário, secundário e terciário — são insuficientemente preparados para lidar com o vício em jogos de azar. Ele explica que as Unidades Básicas de Saúde (UBS) e os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) frequentemente não possuem a formação necessária para tratar essas condições, levando muitos dos casos diretamente a serviços terciários, como o próprio Instituto de Psiquiatria.

Uma das soluções apontadas por Machado é a capacitação intensiva para profissionais de saúde em todos os níveis ao invés de focar exclusivamente em especialistas de alto nível. Ele ressalta a necessidade de formar e preparar bem os psiquiatras de linha de frente e médicos da família para lidarem com casos de vício em jogos de azar. Essa preparação deve incluir, segundo ele, programas de educação amplos e a formação de um número maior de psicólogos e psiquiatras qualificados.

Outra questão levantada é a dificuldade de acesso a tratamento para pessoas que vivem em áreas remotas ou menos acessíveis. O especialista observa que, muitas vezes, indivíduos com problemas relacionados a jogos de azar vivem em regiões distantes dos centros especializados, o que limita seu acesso ao tratamento adequado.

Vício

De acordo com Machado, o vício em jogos de azar é caracterizado por comportamentos compulsivos e perda de controle, semelhantes a outros tipos de dependências. Os sintomas incluem tolerância crescente, sintomas de abstinência e prejuízos funcionais em várias áreas da vida, como social, familiar e financeira. “A conscientização e a educação precoce são fundamentais para identificar e tratar essas condições antes que se agravem”, destaca.

O especialista sugere que, assim como campanhas eficazes foram realizadas para combater o tabagismo, campanhas de conscientização sobre os riscos do jogo de azar são essenciais. Ele argumenta que a educação e a prevenção são investimentos com alto retorno para a saúde pública, e que é necessário que as políticas públicas e campanhas educativas acompanhem a legalização de jogos de azar para minimizar os impactos negativos na saúde da população.

“Infelizmente, na maioria dos casos, o tratamento geralmente é buscado apenas quando os indivíduos enfrentam perdas significativas, como grandes dívidas ou problemas familiares. Devido a isso, a educação, o diagnóstico e a intervenção precoces são cruciais, além da intervenção da própria família, que pode ser determinante para evitar o agravamento da condição”, finaliza.

**Texto de Jornal da USP