BOGOTÁ, COLÔMBIA (FOLHAPRESS) – Candidato da coalizão opositora na Venezuela, Edmundo González divulgou uma carta nesta segunda-feira (6) em que se proclama presidente eleito. Seus aliados afirmam que ele venceu nas urnas, a despeito da proclamação de Nicolás Maduro pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE). O resultado é contestado mundialmente.
À reportagem interlocutores próximos à dupla afirmam que o anúncio não se trata de formar um governo paralelo ao regime de Caracas, mas de confirmar o que as atas eleitorais que possuem em mãos dizem. A oposição possui pouco mais de 80% das atas deste processo.
Dizem, ainda, que o mais importante é o termo “eleito”. González não teria pretensão de começar a exercer funções presidenciais, como o fez no passado Juan Guaidó, mas de iniciar uma transição de poder.
Ainda seria preciso ser empossado presidente, e a oposição insiste que os resultados oficiais são fraudados e que as condições devem ser criadas para que em janeiro ele assuma o cargo.
No texto (leia a íntegra em português no final deste texto), assinado com María Corina Machado, que se descreve como a “líder das forças democráticas na Venezuela”, a dupla pede às Forças Armadas do país se descolem e não sejam cúmplices do chavismo.
“Fazemos um chamado à consciência dos militares e policiais para que se coloquem ao lado do povo e de suas próprias famílias”, escrevem.
Pouco após a divulgação, o Ministério Público venezuelano anunciou a abertura de uma investigação contra os dois. O comunicado assinado pelo chavista Tarek Saab afirma que as falas contidas na carta flertam com crimes de difusão de informação falsa para causar conflitos; associação para delinqência e conspiração; instigação a insurreição e usurpação de funções (no caso, da Presidência).
Há dias lideranças chavistas têm pedido a prisão de González e María Corina. Questionado, o MP afirmava que nenhuma ordem de prisão havia sido emitida. A declaração desta segunda-feira parece ter caído como uma luva para que um processo judicial fosse formalizado.
Desde o fim da votação no último dia 28, María Corina tem chamado González de presidente eleito. Mas a carta a militares e policiais foi o demonstrativo mais claro até o momento.
Os opositores dizem ter conhecimento de que há dissidência nas fileiras militares, com membros que discordam da onda de repressão que Caracas tem colocado em prática após a população ir às ruas contestar o resultado oficial divulgado pelo órgão eleitoral.
“Instamos vocês a impedirem a desenfreada repressão do regime contra o povo e a fazer respeitar os resultados das eleições de 28 de julho”, dizem eles. “Maduro deu um golpe de Estado que contraria toda a ordem constitucional e quer fazê-los seus cúmplices.”
Sem divulgar os dados desagregados por estado, município, centro e mesa de votação, o CNE afirma que o ditador Nicolás Maduro ganhou 52% dos votos, ante 43% para González. Já os opositores, que divulgam publicamente as atas que recolheram com suas testemunhas de mesa, dizem que González reuniu 67%; enquanto Maduro, 30%.
Diversos países já reconheceram o ex-diplomata Edmundo González como o vencedor, entre eles os Estados Unidos. Já o trio Brasil, Colômbia e México, negociadores de alta importância nesse cenário, pede que o regime publique os dados desagregados e, mais, as atas eleitorais, para que uma checagem cidadã seja possível.
Na carta da dupla opositora, os líderes opositores afirmam ainda que, “como governo eleito”, oferecem garantias aos militares que “cumprirem seu dever constitucional”. Mas asseguram que “não haverá impunidade”. González assina a carta como “presidente eleito”.
Diz o trecho logo antes das assinatutas: “Nós ganhamos esta eleição sem discussão alguma. (…) Agora cabe a todos nós fazer respeitar a voz do povo. Procede, imediatamente, a proclamação de Edmundo González Urrutía como presidente eleito da República.”
Há um grande debate na Venezuela sobre a disposição que teriam os opositores de ofertar uma possível anistia para que os líderes do regime, por exemplo, aceitem transferir o poder pacificamente.
No pós-eleição, escalou a onda de repressão ao que Caracas descreve como atos de vandalismo impulsionados por ódio e fascismo.
Organizações e opositores afirmam que o regime opera a repressão para silenciar vozes opositoras. A ONG Foro Penal, internacionalmente respeitada, afirmou nesta segunda que chegou a 1.010 o número de prisões de cidadãos pós-eleição por motivos relacionados a esse processo.
Disse ainda que 91 dessas pessoas são menores de idade e se mostra preocupada porque, na maioria dos casos, os detentos não estariam tendo o direito de ter defesa judicial.
Leia tradução da íntegra da carta:
“Mensagem de Edmundo González e María Corina para militares e policiais
Venezuelanos, cidadãos militares e funcionários policiais,
A Venezuela e o mundo inteiro sabem que nas eleições do último 28 de julho nossa vitória foi avassaladora. Desde o mais humilde cidadão, testemunha, membro de mesa, oficial da Força Armada, policial, até os organismos internacionais e governos, sabem disso. Com as atas em mãos, o mundo viu e reconheceu o triunfo das forças democráticas.
Fizemos a nossa parte. Realizamos a mais formidável mobilização cidadã para que a vitória eleitoral fosse inquestionável. É uma vitória obtida com enorme energia e firmeza, e a fizemos em paz. Obtivemos 67% dos votos, enquanto Nicolás Maduro obteve 30%. Essa é a expressão da vontade popular. Ganhamos em todos os estados do país e na quase totalidade dos municípios. Todos os cidadãos são testemunhas dessa realidade.
No entanto, Maduro se recusa a reconhecer que foi derrotado por todo o país e, diante dos legítimos protestos, lançou uma brutal ofensiva contra líderes democráticos, testemunhas, membros de mesa e até mesmo contra o cidadão comum, com o absurdo propósito de querer ocultar a verdade e, ao mesmo tempo, tentar acuar os vencedores.
Fazemos um apelo à consciência dos militares e policiais para que se coloquem ao lado do povo e de suas próprias famílias. Com essa massiva violação dos direitos humanos, o alto comando se alinha com Maduro e seus vis interesses.
Estamos cientes de que em todos os componentes da Força Armada Nacional está presente a decisão de não reprimir os cidadãos que pacificamente reivindicam seus direitos e sua vitória. Os venezuelanos não são inimigos das forças. Com essa disposição, os chamamos a impedir as ações de grupos organizados pela cúpula madurista, uma combinação de esquadrões militares e policiais e grupos armados à margem do Estado, que espancam, torturam e também assassinam, sob a proteção do poder maligno que representam.
Vocês podem e devem interromper essas ações imediatamente. Instamos vocês a impedir a desenfreada repressão do regime contra o povo e a respeitar, e fazer respeitar, os resultados das eleições de 28 de julho. Maduro deu um golpe de Estado que contraria toda a ordem constitucional e quer fazê-los seus cúmplices.
Vocês sabem que temos provas irrefutáveis da vitória. O relatório do Centro Carter é contundente sobre as condições e o resultado eleitoral, enquanto Maduro tenta fabricar resultados quando, além disso, o prazo legal para a publicação dos mesmos expirou.
Membros da Força Armada e dos corpos policiais, cumpram com seus deveres institucionais, não reprimam o povo, acompanhem-no.
Da mesma forma, pedimos a todos os venezuelanos que têm mães, pais, filhos, irmãos, parceiros que são membros da Força Armada Nacional ou funcionários policiais, que exijam que não reprimam, que ignorem ordens ilegais e que reconheçam a Soberania Popular, expressa nos votos do domingo, 28 de julho.
O novo governo da República, eleito democraticamente pelo povo venezuelano, oferece garantias àqueles que cumprirem com seu dever constitucional. Além disso, destaca que não haverá impunidade. Este é um compromisso que assumimos com cada um dos venezuelanos.
Nós ganhamos esta eleição sem discussão alguma. Foi uma vitória eleitoral, cheia de energia e com uma organização cidadã admirável, pacífica, democrática e com resultados irreversíveis. Agora cabe a todos nós fazer respeitar a voz do povo. Procede, imediatamente, a proclamação de Edmundo González Urrutía como presidente eleito da República.
Caracas, 5 de agosto de 2024″
MAYARA PAIXÃO / Folhapress