VÍDEO: robô é utilizado para cirurgia em criança de sete meses no HC de Ribeirão Preto; procedimento é inédito

98% do pâncreas foi retirado

Foto: Divulgação

Uma equipe de cirurgia pediátrica do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto realizou um procedimento inédito ao operar uma criança de sete meses utilizando um robô. A operação, que envolveu a retirada de 98% do pâncreas da paciente, foi a primeira desse tipo registrada na literatura médica internacional para uma criança com oito quilos.

O procedimento foi realizado por causa de uma doença congênita rara que faz com que o pâncreas da criança produza insulina em excesso, levando a riscos graves como coma. 

”Achamos que era uma oportunidade de propor a cirurgia robótica para esta paciente. Foi uma decisão madura e responsável da nossa equipe, visto que, parte da equipe se dedicou ao treinamento da robótica e, nos últimos anos, por estarmos em um Hospital de referência, já havíamos realizados várias cirurgias como essa por “vídeo laparoscopia”, explicou o cirurgião Fábio Volpe,  da Divisão de Cirurgia Pediátrica e Transplante de Fígado e docente da FMRP.

A decisão de utilizar a cirurgia robótica foi baseada na necessidade de precisão extrema, em razão da pequena dimensão do órgão. 

“A parte retirada do pâncreas tinha em torno de quatro centímetros, e o total deveria ter mais ou menos uns cinco centímetros. Operar com robô é mais fácil do que pelo modo tradicional. O robô dá uma precisão maior para nós e amplia a imagem, tornando as estruturas mais evidentes. É como se eu estivesse com o meu próprio olho com uma lupa dentro da cavidade abdominal, conseguindo ver as estruturas que ficam mais evidentes. Achei a cirurgia robótica superior à videolaparoscopia”, afirma a Wellen Canesin, cirurgiã pediátrica e do transplante de fígado.

O procedimento envolveu uma equipe multidisciplinar, incluindo especialistas em endocrinologia pediátrica, biologia molecular, patologia, e cuidados intensivos pediátricos. A colaboração entre essas áreas foi crucial para o diagnóstico preciso e o tratamento eficaz, destacando o Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto como um centro de referência no Brasil para o tratamento de hiperinsulinismo congênito e cirurgias minimamente invasivas em pediatria.

Doença 

 “O hiperinsulinismo congênito é uma doença bastante rara, que envolve a produção de insulina de forma descontrolada. No indivíduo normal, quando ficamos um tempo sem comer e o nível de glicose no sangue começa a cair, o corpo reduz a produção de insulina. Na criança que tem hiperinsulinismo congênito, isso não ocorre. Então, independentemente do nível glicêmico, a produção de insulina é descontrolada, o que acaba gerando hipoglicemia nas crianças”, explica o endocrinologista pediátrico Rafael Del Roio Liberatore Junior, e professor da FMRP.

Futuro 

Para Lucimara Costa, mãe, foram tempos difíceis que ela quer deixar para trás e pensar apenas no futuro ao lado da filha e da família. “Quero que ela tenha uma vida normal, que ande, fale, vá para a escola e tenha uma formação. Quero que ela tenha uma vida normal.Meu futuro terá que ser reconstruído. Abandonei meu trabalho e minha sala comercial por ela. Estou vivendo um dia de cada vez. Não desisti dos meus sonhos, mas preciso de tempo para reconstruir minha vida. Vou devagar, sem criar muitas expectativas. Mas acredito que será reconstruído, se Deus quiser junto com ela”.

Investimento 

O Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto tem feito investimentos em tecnologias de ponta para atender com mais qualidade as suas quatro áreas de atuação: assistência, ensino, pesquisa e agora inovação e tecnologia. Para o superintendente do Hospital, professor Ricardo Cavalli, é fundamental o Hospital caminhar para essa modernização .

“A medicina está em constante evolução, e é necessário  acompanhar essas mudanças para garantir que nossos pacientes tenham acesso aos tratamentos mais avançados e eficazes. A introdução de tecnologias de ponta, como a cirurgia robótica, não só amplia nossas capacidades técnicas, mas também melhora significativamente os resultados clínicos. A precisão e a segurança proporcionadas por essas inovações minimizam os riscos e aceleram a recuperação dos pacientes, permitindo um retorno mais rápido às suas atividades normais”.

Leia a entrevista com o cirurgião Fábio Volpe

Como foi a cirurgia?

A equipe de cirurgia pediátrica e de cirurgia do aparelho digestivo, especialmente a equipe de pâncreas, teve a oportunidade de realizar, nos meses anteriores, uma cirurgia robótica de pâncreas em uma criança. Existem alguns diferenciais no procedimento que foi realizado. Um deles é a realização do procedimento por robô em criança, algo incomum para esse tipo de problema, especialmente em um paciente com as dimensões da criança submetida ao procedimento, que tinha sete meses e menos de 10 kg. Na literatura inglesa, pelo menos até o momento, não há registro de cirurgia robótica em crianças nessa proporção.

Nós achamos que era uma oportunidade de realizar, com segurança, a cirurgia. Foi uma decisão responsável e madura da nossa equipe, visto que, nos últimos anos, por estarmos em um hospital de referência, tivemos exposição a esse problema e operamos vários pacientes com essa mesma doença, realizando a rececção de pâncreas. Essa experiência está até publicada na literatura internacional do nosso serviço aqui no Hospital das Clínicas. A soma da experiência da equipe e o fato de termos realizado um treinamento de cirurgia robótica recentemente nos fez entender que seria uma oportunidade de propor essa estratégia cirúrgica para o paciente.

Quais foram os resultados da cirurgia?

Entendemos que o robô traz maior precisão, uma técnica cirúrgica mais precisa e, obviamente, melhores resultados. Então, foi uma iniciativa responsável, uma decisão madura, que resultou em um procedimento absolutamente exitoso. Essa criança foi submetida à retirada de 98% do pâncreas por uma doença congênita que faz com que o pâncreas produza insulina descontroladamente, podendo deixá-la em estado de coma. A retirada do pâncreas é a única estratégia cirúrgica de tratamento dessa doença, e pela via robótica foi possível realizar a cirurgia sem complicações, com um resultado técnico extremamente exitoso e um bom resultado do ponto de vista de tratamento definitivo para a doença.

Leia entrevista com a Wellen Canesin, cirurgiã pediátrica e do transplante de fígado

Como foi fazer a cirurgia de uma criança de sete meses utilizando robô?

Foi algo diferente para o nosso serviço. Nós já tínhamos experiência de operar crianças desde recém-nascidos por videolaparoscopia, mas a cirurgia robótica de pâncreas nós ainda não tínhamos realizado. Então, foi uma experiência muito valiosa para nós e extremamente gratificante.

O que foi mais difícil?

O mais difícil foi concentrar todos os recursos necessários para que a cirurgia pudesse ser realizada. Quando foi solicitado para nós o procedimento cirúrgico, já foi diante de um insucesso no tratamento clínico. Então, nós tínhamos de uma semana para outra para organizar tudo. Conseguimos os materiais necessários e as equipes que precisavam estar envolvidas para realizar a cirurgia de forma robótica e exitosa.

Qual era o tamanho do órgão?

A parte retirada do pâncreas tinha em torno de quatro centímetros, e o total deveria ter mais ou menos uns cinco centímetros. Operar com robô é mais fácil do que pelo modo tradicional. O robô dá uma precisão maior para nós e amplia a imagem, tornando as estruturas mais evidentes. É como se eu estivesse com o meu próprio olho com uma lupa dentro da cavidade abdominal, conseguindo ver as estruturas que ficam mais evidentes. Achei a cirurgia robótica superior à videolaparoscopia. 

Leia entrevista com o Rafael Del Roio Liberatore Junior, endocrinologista pediátrico

Quais são as manifestações clínicas dessa doença?

Como essa produção de insulina é descontrolada, quando a criança fica algum tempo sem comer, a produção exagerada de insulina causa hipoglicemia. A hipoglicemia é um dos distúrbios metabólicos mais comuns no período neonatal, nos primeiros dias de vida, e tem inúmeras outras causas além do hiperinsulinismo congênito. O grande problema é a hipoglicemia que continua ocorrendo depois do terceiro dia de vida e, principalmente, depois do quinto dia de vida, que chamamos de hipoglicemia persistente no período neonatal. A grande causa para hipoglicemia persistente no período neonatal é esta doença.

Quais são os sintomas e os riscos da hipoglicemia persistente?

O hiperinsulinismo congênito é um defeito metabólico no qual um defeito genético na célula que produz insulina no pâncreas, a célula beta, faz com que a insulina seja produzida ou secretada de forma exagerada e descontrolada. Isso provoca hipoglicemia, e as manifestações de hipoglicemia no período neonatal são muito inespecíficas. A criança fica pálida, tem tremores, má aceitação alimentar e, na maioria das vezes, crises convulsivas. Faz parte da investigação de crises convulsivas no período neonatal a dosagem de glicose, pois a possibilidade de ser hipoglicemia é bastante importante. Se isso não for detectado a tempo, pode causar danos neurológicos irreversíveis, já que a glicose é o principal combustível do nosso corpo, especialmente para as células cerebrais dos recém-nascidos.

Como foi o caso da criança tratada no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto?

Essa criança tinha crises convulsivas e estava em tratamento por isso. Aos três meses de vida, ela veio a uma consulta na Unidade de Emergência por um quadro respiratório. Durante a consulta, ela teve uma crise convulsiva, foi investigada e foi feita a dosagem de glicose, que mostrou uma glicose baixa. A glicose estava permanentemente baixa, e a criança foi colocada em soro com glicose para manter os níveis glicêmicos. Iniciou-se toda a investigação que levou ao diagnóstico de hiperinsulinismo congênito. Inicialmente, a criança foi tratada com medicamentos, mas não respondeu a nenhum tratamento clínico. Aproximadamente 40% das crianças com hiperinsulinismo congênito não respondem aos tratamentos clínicos clássicos, e aí não há outra saída a não ser a cirurgia de retirada do pâncreas.