SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Eu vou viver do jiu-jítsu, eu não quero outra coisa para mim.” Era isso que costumava dizer Leandro Lo Pereira do Nascimento, ainda adolescente, como lembra a mãe do lutador, Fátima Lo, 53. “Eu sempre o apoiei, desde o começo. Que bom que eu apoiei, porque ele virou um gigante no jiu-jítsu.”
Aos 14 anos, a distância entre São Mateus, na zona leste de São Paulo, e o Ipiranga, na zona sul, onde ele treinava, não era problema para o menino. Fátima era quem pagava o transporte. Em troca, recebia do filho a promessa de que deixariam a periferia. “Um dia vou te recompensar. Vou comprar um apartamento ao lado do metrô”, ele dizia para a mãe, ela conta.
O tempo passou, e Leandro Lo, com o dinheiro das vitórias, cumpriu a promessa. Já faixa preta e multicampeão, o lutador comprou em 2018 o sonhado apartamento, ao lado de uma estação da linha 2-verde.
“Ele sempre quis se dar bem para mudar nossa história. Saímos do extremo leste para morar perto do metrô”, disse Fátima. Ela recebeu a Folha de S.Paulo no Instituto Leandro Lo, inaugurado há um ano na Vila Prudente, na zona leste, na tarde desta terça-feira (6). Ali ela diz estar em sintonia com o filho. “Aqui tem tanta energia dele. Parece que ele está aqui.”
A lembrança de Leandro Lo está em todo canto. Na parede há pinturas de momentos marcantes da vida do lutador, como a última conquista de um mundial ele foi campeão por oito vezes, frases escritas pelo atleta nas redes sociais e dezenas de medalhas douradas, além de cinturões e troféus.
Leandro Lo tinha 33 anos quando foi assassinado na madrugada do dia 7 de agosto de 2022. Ele estava em um show do grupo de pagode Pixote, no Esporte Clube Sírio, no bairro Planalto Paulista, quando foi baleado na cabeça pelo tenente da Polícia Militar Henrique Otavio Oliveira Velozo.
O PM está preso de forma preventiva (sem prazo) no Presídio Militar Romão Gomes, destinado a policiais. O processo está em segredo de Justiça e ainda não há definição sobre julgamento.
A passos lentos também anda o rito aberto pela SSP (Secretaria da Segurança Pública) que pode resultar na perda do posto de tenente, ou seja, na demissão de Velozo. O procedimento, denominado Conselho de Justificação, foi aberto dez dias após a morte do lutador pelo então secretário João Camilo Pires de Campos. O colegiado é formado pelo major Augusto Cesar Leite da Fonseca, a capitã Daniella Fernandes Okada e o também capitão Eduardo da Silva.
“O processo se encontra em fase administrativa no conselho e, após sua conclusão, retornará ao titular da SSP para deliberação e encaminhamento ao TJM [Tribunal de Justiça Militar] para julgamento.”
De acordo com o governo Tarcísio de Freitas (Republicanos), o preso não está recebendo salário.
Procurada, a defesa de Henrique Velozo não se pronunciou. Na época do crime, o advogado Claudio Dalledone afirmou que o disparo havia sido efetuado em legítima defesa. “A ação dele é uma ação legítima. Ele foi cercado por seis lutadores de jiu-jítsu”, disse, na ocasião.
Fátima, que se separou do pai do lutador quando ele tinha nove anos, conta que sempre foi muito presente na vida de Leandro Lo.
Com depressão desde a infância, ela afirma que teve que dobrar a dose dos medicamentos após a morte do filho. Ela trabalhava em um banco, mas acabou deixando o emprego. “Fiquei afastada por depressão e depois me desliguei. Meu trabalho tinha metas, e eu não consegui produzir depois do ocorrido.”
O alento veio com o Instituto Leandro Lo, onde ela reveza os afazeres com a filha Amanda, irmã do lutador. O local atende atualmente 50 crianças e adolescentes com idades entre 6 e 17 anos. Tudo gratuito, das aulas de jiu-jítsu aos kimonos, pagos por um empresário.
O instituto, segundo Fátima, é também uma forma de preservar o legado do filho no esporte. O último título do lutador foi conquistado dois meses antes de sua morte, diz a mãe.
“A gente era muito apegado, tinha uma conexão muito forte. A gente sempre estava se falando. Era eu te amo todo dia, ele me falava, eu falava para ele.”
Fátima Lo afirma não ter sido procurada pelo Esporte Clube Sírio procurado, o clube respondeu que não se pronunciaria sobre o caso. A mãe diz também que não consegue mais ouvir as músicas do grupo Pixote. “Eles não têm culpa. Mas é uma coisa muito forte para mim.”
Sobre o luto, acha que é uma dor sem fim. “É uma parte de mim que se foi. A vida nunca mais vai ser a mesma para mim. Não só para mim, [para] qualquer mãe que perde um filho. Ele foi arrancado. Saiu para se divertir e acabou acontecendo o que aconteceu. Ele não estava fazendo nada de mal para ninguém. Tem a questão para ser resolvida. Eu quero que esse bandido pague pelo que ele fez, porque ele acabou com a família.”
PAULO EDUARDO DIAS / Folhapress