SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Antes de comandar com mãos de ferro a ditadura da Nicarágua e se isolar até mesmo de antigos aliados internacionais, como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Daniel Ortega foi um dos rostos da Revolução Sandinista, movimento responsável por derrubar uma família que ficou no poder do país por 45 anos.
Nesta quinta-feira (8), o atrito entre os dois líderes de esquerda chegou ao seu ponto mais crítico após o governo brasileiro decidir expulsar do Brasil a embaixadora da Nicarágua, Fulvia Patricia Castro Matus. Na véspera, veio a público que a mesma medida fora tomada com o representante brasileiro em Manágua, Breno de Souza da Costa.
A tensão entre Lula e Ortega já vinha se acumulando nos últimos meses. O atrito mais notável foi o que ocorreu em torno das negociações para libertar o bispo Rolando José Álvarez, um crítico do regime que ficou detido por mais de 500 dias antes de ser expulso do país, em janeiro.
Em um encontro com Lula em junho de 2023, o papa Francisco, que já comparou o regime nicaraguense com a “ditadura comunista de 1917 ou a ditadura hitlerista de 1935”, pediu ao petista para interceder em relação ao caso. O presidente brasileiro, porém, afirmou publicamente que suas tentativas foram em vão, já que ele não obteve retorno dos telefonemas.
RELEMBRE A HISTÓRIA RECENTE DA NICARÁGUA
REVOLUÇÃO
Pelo menos desde o final dos anos 1950 as guerrilhas nicaraguenses lutavam contra a ditadura da família Somoza, que ficou no poder por 45 anos na Nicarágua com apoio dos Estados Unidos, que financiaram diversos regimes autoritários na região ao longo do século 20.
Em 1978, porém, um atentado mata o jornalista Pedro Joaquín Chamorro e dá uma novo impulso aos guerrilheiros, que se denominavam sandinistas em homenagem a Augusto César Sandino, herói nacional que liderou uma resistência contra a presença militar americana no fim dos anos 1920.
Ao longo dos anos, as guerrilhas convergiram em torno da FSLN (Frente Sandinista de Libertação Nacional), que se tornaria o partido atualmente no poder na Nicarágua. A revolução triunfou em 1979, com a queda de Anastasio Somoza Debayle, último da família a reger a Nicarágua.
ELEIÇÃO
Após o triunfo da revolução, Ortega, que havia lutado contra a ditadura, passou a integrar a Junta de Governo de Reconstrução Nacional ao lado de representantes de diversas forças que atuaram para derrubar a ditadura, como o social-democrata Sergio Ramírez e o empresário Alfonso Robelo. Em 1985, pouco mais de cinco anos após a queda de Somoza, o órgão de transição foi dissolvido, e Ortega convocou eleições gerais, das quais saiu vitorioso com 63% dos votos.
Os movimentos contrarrevolucionários e a crise econômica do país, intensificada com o ocaso da aliada União Soviética, forçaram o então presidente a antecipar o pleito em nove meses e realizá-lo em fevereiro de 1990. A votação deu vitória a Violeta Chamorro, viúva do jornalista assassinado durante a ditadura Somoza.
VOLTA AO PODER
Em 2006, Ortega se candidatou à Presidência pela quinta vez e venceu com um discurso moderado de acenos ao setor privado. Ele se reelegeria em 2012, já com contestações em relação à legitimidade de um terceiro mandato, pois governou pela primeira vez nos anos 1980 -a Constituição vetava candidaturas de quem foi presidente por dois períodos. Concorreu e venceu mais uma vez em 2017 -desta última vez, ao lado de sua esposa, Rosario Murillo, que ganhou cada vez mais poder desde então.
DITADURA
Em 2018, as investidas contra as instituições que Ortega vinha fazendo para se manter no poder chegaram a um ponto de ruptura. Naquele ano, manifestações contra uma reforma da Previdência deixaram ao menos 355 pessoas mortas, segundo a CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos).
Desde então, o casal no poder passou a controlar praticamente todas as grandes instituições do país e perseguir líderes comunitários, estudantes e autoridades religiosas que se oponham ao regime. Os alvos incluem diversos sandinistas que lutaram com Ortega contra os Somozas, como as ex-guerrilheiras Mónica Baltodano e Dora María Tellez, além de seu próprio irmão, Humberto, em prisão domiciliar desde maio.
Em 2021, Ortega ganhou uma eleição presidencial de fachada na qual todos os seus adversários com chance de vencer estavam fora da disputa.
DANIELA ARCANJO / Folhapress