Escola pública de SP cedida a Portugal está abandonada há sete anos

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quem passa pela rua Cayowaá, na zona oeste de São Paulo, na altura do 1.861, pode ler em um muro ainda em pé o grafite com as palavras educação, inspiração e paciência. São memórias de quando pulsava ali o vaivém de profissionais de uma diretoria de ensino e, pouco antes, de alunos e professores de uma escola pública estadual.

Agora, o local se tornou um prédio público em abandono. São 2.000 metros quadrados em uma das áreas mais valorizadas da capital, o Sumaré, que estão vazios há sete anos à espera da primeira escola pública portuguesa do país. Os muitos sinais de deterioração trazem dúvidas se ainda poderá ser aproveitada.

Até 2017, funcionava ali a Diretoria de Ensino Centro-Oeste. Mas o imóvel foi cedido ao governo português pelo então governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, em cerimônia que teve a participação do presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, e do primeiro-ministro do país à época, António Costa.

Representantes portugueses chegar a dizer que a cessão era “um passo decisivo na concretização de um sonho de três décadas da comunidade luso-brasileira desta que é a maior cidade de língua portuguesa do mundo”. O prazo de cessão, conforme decreto de 2017, é de 20 anos —restando 13 anos, atualmente.

Ainda conforme os anúncios, a ideia era implantar uma instituição de ensino com dupla certificação curricular, dotada de um Centro de Língua Portuguesa e de um núcleo de formação para professores. “A expectativa é atender todas as nacionalidades, garantindo ainda um percentual de vagas para alunos da rede pública estadual”, dizia mensagem do governo lusitano.

Não havia, porém, mais detalhes, como número de vagas.

Procurada, a Embaixada de Portugal disse não ter desistido do projeto. Não explicou, porém, quais foram os problemas que atrapalharam o plano, nem quando deve concretizá-lo. Já o governo paulista alega que o atraso ocorre por questões “burocráticas e administrativas”.

Segundo profissionais da rede de educação ouvidos pela Folha de S.Paulo, a cessão do prédio da rede pública estadual não contou com um planejamento efetivo e não levou em consideração o destino dos cerca de 150 profissionais que trabalhavam na diretoria.

De acordo com Maria Adelaide Camargo, que exerceu a função de professora coordenadora de língua portuguesa de 2010 a 2021, as equipes foram transferidas para um prédio da avenida Rio Branco, nos Campos Elíseos, na região central, perto da cracolândia.

“Em dias de batida policial, tudo ficava bem mais difícil. Se fosse pela manhã, muitas vezes não trabalhávamos. Impossível chegar. Se fosse à tarde, tínhamos que sair a pé pois o terminal [de ônibus] fechava e nenhum carro de aplicativo aceitava ir até lá”, disse a professora aposentada.

Ainda segundo ela, o prédio escolhido na região central para abrigar as equipes tem uma fachada bonita, por seu contexto histórico, “mas nada funcional para uma Diretoria de Ensino”.

“O impacto inicial foi grande, acomodação complicada, o espaço físico não comportava todo mundo. Estacionamento para poucos carros. Apesar de fácil acesso, pois o prédio fica muito perto do terminal Princesa Isabel, éramos vizinhos da cracolândia, o que dificultava a locomoção”, afirmou.

A mudança também levou parte dos profissionais da diretoria a pedir exoneração, conta Camargo. Os que ficaram, ainda conforme a professora, sofriam com o estresse da insegurança na região.

“E o prédio da nossa antiga diretoria atendeu aos objetivos do decreto ou nossa mudança foi em vão?”, questiona.

Vizinho do prédio na Cayowaá, Bruno Maschio disse ter visto movimentações recentes de engenheiros no local e por isso diz acreditar que a escola portuguesa deve finalmente sair do papel. “Para nós é melhor que venha essa escola.”

Ainda segundo ele, após o furto de cabos de energia do prédio, no final do ano passado, vigilantes foram colocados no local —profissionais se revezam todos os dias e também evitam a proliferação do mato.

Recentemente, parte do muro desabou após a queda de uma grande árvore existente no interior do imóvel, destruindo a estrutura onde estavam escritas as palavras “gratidão e determinação”.

Procurada pela reportagem, a Apeoesp (sindicato dos professores) não quis se manifestar.

PORTUGAL AINDA TEM INTERESSE

O Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal enviou nota na qual afirma ainda ter interesse no prédio.

“Portugal e o Brasil, através das entidades relevantes, têm trabalhado em conjunto com o objetivo de abrir a escola portuguesa de São Paulo com a maior celeridade possível. O governo continua empenhado em concretizar este objetivo antigo”, diz a nota.

Já o governo paulista alega que “questões burocráticas e administrativas atrasaram o trâmite” da instalação da escola, pendências que “foram resolvidas nesta questão”.

“No ano passado, o tema foi tratado durante a missão do governador Tarcísio de Freitas a Portugal”, disse o governo, também em nota.

“A proposta em discussão prevê uma unidade de ensino com dupla certificação curricular, dotada de um núcleo de formação e capacitação para professores e reserva de vagas para alunos da rede pública. Recentemente, a iniciativa também foi reiterada pelo governo português ao Palácio do Planalto.”

ROGÉRIO PAGNAN / Folhapress

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