VAIRES-SUR-MARNE, None (FOLHAPRESS) – Esgotado física e mentalmente, Isaquias Queiroz decidiu descansar em 2023, recolhendo-se em sua Bahia, ficando mais perto da família e competindo muito pouco. Teria sido a decisão certa, diz ele, mesmo que isso tivesse lhe custado a classificação aos Jogos Olímpicos de Paris e quase custou. Hoje, tem mais uma medalha para mostrar.
O brasileiro de 30 anos conquistou na tarde francesa de sexta-feira (9) a prata na prova C1 1.000 m da canoagem de velocidade. Foi o quinto pódio de seu extenso currículo olímpico, que começou a ser construído nos Jogos de 2016, no Rio de Janeiro, com duas pratas (C1 1.000 m e C2 1.000 m) e um bronze (C2 200 m). Em 2021, em Tóquio, ganhou um ouro (C1 1.000 m).
De volta à disputa que é sua especialidade, completou a decisão no Estádio Náutico de Vaires-sur-Marne em 3min44s33. Ficou atrás apenas do tcheco Martin Fuksa, que dominou a decisão e estabeleceu a melhor marca da história olímpica da distância, com 3min43s16. Completou o pódio Serghei Tranovschi, da Moldova, com 3min44s68.
Foi uma incrível prova de recuperação do atleta de Ubaitaba, que estava na quinta posição na parcial dos 750 metros. Conhecido pelo ritmo forte que imprime na reta final, foi atropelando os concorrentes até assumir a segunda colocação e vibrou muito com o público, cheio de brasileiros na arena montada nos arredores de Paris.
O resultado provou a Isaquias que não havia outro a caminho no ano passado a não ser o descanso. Segundo o baiano, seu trunfo na França foi a temporada quase sabática que teve, com resultados abaixo de seu padrão. “Vi tanta gente me massacrar por um ano ruim. Mas eu falei: ‘Tudo bem, não tem problema, o foco é Paris, não é o Mundial.”
No Mundial, Queiroz ficou em sexto em sua modalidade principal, a individual de um quilômetro, e só conseguiu um lugar nos Jogos por um remanejamento de vagas da República Tcheca. Classificado, terminou de recarregar as baterias em Ilhéus e, enfim, retomou os treinamentos em Lagoa Santa, Minas Gerais, que o levariam a mais um pódio olímpico.
“Eu estava muito sobrecarregado, mentalmente, psicologicamente, muito estresse mental. Eu não conseguia raciocinar direito, explodia em casa por qualquer coisa, com o Sebastian”, afirmou o medalhista, que procurou ajuda médica. “Falei: ‘Não sei o que está acontecendo, estou descontando no meu filho, não tem nada a ver’.”
Isaquias disse ter cogitado abandonar o esporte no início de 2023, porque estava “sem vontade”. Segundo ele, foi justamente o apoio da família que o carregou no pior momento. Por isso, fez questão de dividir o momento de glória em Vaires-sur-Marne com os filhos Sebastian, hoje com sete anos, e Luigi, que ainda não completou um, e a mulher, Laina.
Eles viram de perto a reação do atleta, que se animou com os resultados obtidos neste ano, especialmente um triunfo na etapa de Szeged da Copa do Mundo, realizada em maio, e foi a Paris cheio de confiança, porém não teve o início esperado. Com Jacky Godmann, ficou na oitava colocação na final em dupla de meio quilômetro (C2 500 m), na quinta (8), e chamou o resultado de “horrível”.
No dia seguinte, remou para a prata.
“Eu não me senti muito bem aqui nas Olimpíadas. Estava muito bem no Brasil, mas o ritmo caiu pouco. Mesmo assim, consegui um tempo bom. Não era exatamente o que eu queria, mas sair daqui com a medalha de prata é gratificante para caramba. Não sair daqui com o pescoço pelado é a coroação de um trabalho duro”, observou.
Queiroz, assim, igualou-se a Robert Scheidt e Torben Grael, da vela, que até a semana passada eram os brasileiros com mais medalhas olímpicas no currículo. A liderança agora é da ginasta Rebeca Andrade, que subiu ao pódio quatro vezes em Paris, chegou à marca de seis e se consolidou como a maior atleta olímpica do Brasil na história.
“A Rebeca a gente tira de cena, né? É fora da curva”, brincou Isaquias, que também pode dizer que está entre os grandes. E sua trajetória que não pode ser contada sem que seja o citado o nome do técnico espanhol Jesús Morlán, que chegou ao Brasil em 2013, guiou os três primeiros pódios da canoagem de velocidade do país e morreu em 2018, em decorrência de um câncer.
O baiano sempre valorizou a influência de Morlán e também é grato a Lauro de Souza, o Pinda, seu atual treinador, com quem tem longa história. Foi Pinda que o buscou em 2007, em uma rodoviária, para levá-lo a seu primeiro Campeonato Brasileiro, em Cascavel. De lá para cá, além dos cinco pódios olímpicos, o atleta recebeu 13 medalhas em campeonatos mundiais.
“Esta medalha aqui em Paris precisa ser muito valorizada, por tudo o que a gente passou neste ciclo”, disse Pinda. “Ele sentiu um pouco, e a gente precisou dar um passo para trás. Não fizemos um Mundial como gostaríamos, mas conseguimos dar a volta por cima pela grandeza que o Isaquias tem. É um atleta que, até hoje, não falhou em nenhuma Olimpíada.”
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CONFIRA O RESULTADO DA FINAL DA PROVA C1 1.000 M
1 – Martin Fuksa (TCH) – 3min43s16
2 – Isaquias Queiroz (BRA) – 3min44s33
3 – Serghei Tarnovschi (MOL) – 3min44s68
4 – Zakhar Petrov (COI) – 3min45s28
5 – Carlo Tacchini (ITA) – 3min48s97
6 – Wiktor Glazynow (POL) – 3min49s05
7 – Balazs Adolf (HUN) – 3min49s83
8 – Sebastian Brendel (ALE) – 3min51s44
MARCOS GUEDES / Folhapress