Expoentes do breaking no Brasil analisam por que país ficou fora dos Jogos e o que esperar após torneio

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Na edição em que o breaking estreia nas Olimpíadas, em Paris, duas referências na cena brasileira do gênero afirmam que uma seletiva confusa e pouco representativa atrapalhou as chances de o país ter competidores no megaevento na França.

Pioneiro da dança de rua no país, o lendário Nelson Triunfo lamenta que ele e outras figuras históricas do movimento tenham sido alijados da organização do processo seletivo.

“Pena que organizaram de uma forma estranha, através da dança de salão. Ninguém me convidou pra nada. Fizeram do jeito deles. Fiquei bastante triste, tinham pessoas muito mais preparadas e mais importantes e ideias melhores para ter feito essa seleção. Foi, de certa forma, meio atropelada a ideia do breaking brasileiro nas Olimpíadas”, disse à Folha.

Quando menciona “dança de salão”, Triunfo se refere à entidade brasileira que era reconhecida pela World Dance Sport Federation, a federação responsável pelo torneio olímpico, a Confederação Nacional de Dança Desportiva e de Salão (CNDDS), que originalmente não incluía o breaking nem jamais tinha organizado torneios do gênero.

Após a inclusão do novo esporte nos Jogos, a entidade incorporou representantes do breaking e tirou o “salão” do seu nome.

“Não quero me meter nisso, mas não funcionou. Eu não gostei de nada, achei que não foi legal. Quem fez isso não nos representou. Para o pessoal da [estação de metrô] São Bento [local pioneiro de batalhas de b-boys] também não representou. Para os caras que fizeram as primeiras batalhas de Battle of the Year do Brasil também não. Então eles estavam representando o quê?”

O dançarino e coreógrafo Bruno Beltrão, cofundador do Grupo de Rua de Niterói, célebre por sua fusão de dança contemporânea com dança de rua, concorda com o colega.

“No breaking cultural, a competição é mais informal, com batalhas e julgamentos subjetivos. No ambiente olímpico, existem regras estritas e um sistema de julgamento formal. A transição para esse modelo não foi bem gerida no Brasil, exacerbada pela pandemia e pela falta de comunicação eficaz, complicando ainda mais o processo seletivo”, afirmou.

“Essa desorganização”, prossegue Beltrão, “e a sensação de falta de apoio institucional refletem diretamente na ausência de representantes brasileiros na competição olímpica de breaking em Paris. A falta de um processo seletivo bem organizado, comparável ao que ocorre em outros esportes, e a ausência de uma estrutura clara contribuíram para essa situação”.

Numa entrevista recente, a b-girl Thaisinha e o b-boy Pelezinho também afirmaram que, devido ao tempo curto, a organização deveria ter sido mais ágil -definindo, por exemplo, um treinador que por sua vez tivesse escolhido alguns poucos nomes mais fortes para treinarem até as eliminatórias.

Procurada, a CNDD não deu resposta até a publicação deste texto.

Para Bruno Beltrão, “apesar de o processo de organização não ter sido bem feito, tivemos dois grandes nomes brasileiros [o b-boy Leony e a b-Girl Mini Japa] na Olympic Qualifier Series, mas que infelizmente não conseguiram chegar lá”.

Segundo o coreógrafo do Grupo de Rua, quando o breaking foi incluído como esporte olímpico, “a expectativa era de que isso trouxesse uma estrutura mais forte e organizada para a modalidade no Brasil. No entanto, o que ocorreu foi uma falta de transparência e informações conflitantes, gerando incertezas entre os praticantes”.

Nesse ponto, ele e Triunfo discordam. Quando a novidade foi anunciada, o precursor do hip-hop paulistano vaticinou que a inclusão do breaking nas Olimpíadas iria “servir de pavio para tocar fogo em todo o país”.

Triunfo -um pernambucano nômade que se radicou em São Paulo nos anos 1970- hoje considera que sua previsão estava correta. Ele vê uma proliferação de campeonatos pelo país, mais visibilidade na mídia e mais espaço para projetos do gênero nas quebradas. “Isso de uma certa forma fortaleceu.”

Ele vibra com a cena pujante. “O nosso breaking tá maravilhoso”, diz, citando um torneio recente na Casa do Hip Hop, em Diadema, e a vitória de um b-boy paraense (Kley) no campeonato nacional. “Isso mostra que tá em todo o país e o breaking tá fortíssimo.”

Por outro lado, Triunfo pondera: “As Olimpíadas são uma coisa muito boa, mas são uma grande ilusão. Tem mais de mil b-boys e b-girls bons no Brasil, aí de repente vai [pros Jogos] um, dois só, se for. O mais importante aí é que [a inclusão] nos levantou de novo a moral de uma certa forma”.

Beltrão tem uma visão menos otimista. “Essa oportunidade nós perdemos. Acho o breaking brasileiro fortíssimo, principalmente se considerar as condições em que ele é praticado. Imaginei [quando foi anunciado] uma rede institucional mais forte e mais presente do que realmente aconteceu. Não me conformo como que essa e outras danças não terem uma inserção na rede de ensino brasileira.”?

O fundador do Grupo de Rua associa a situação a questões políticas. “Não dá para esquecer que logo após o anúncio da inclusão, em dezembro de 2020, ainda encararíamos mais três anos do pior governo para a área da cultura até hoje, e por não valorizar a produção cultural brasileira como um todo, acabou apagando possibilidade de um projeto nacional para o breaking. As Olimpíadas eram esse norte para alavancar o processo e a cultura dessa dança-esporte no Brasil. Não me espantarei em nada se em 2028 estivermos numa situação parecida.”

Na opinião de Beltrão, a inclusão nos Jogos “parece coerente e um caminho natural. O breaking como modalidade olímpica é apenas mais uma ramificação do que as danças do hip-hop podem ser e se transformar. As Olimpíadas são outro passo na luta por validação de uma arte que foi muito discriminada como profissão”.

FABIO VICTOR / Folhapress

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