SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – Com três Olimpíadas no currículo como atleta de nado artístico e diversos cursos de especialização em gestão, Lara Teixeira acreditava que poderia ajudar a transformar o esporte no Brasil dentro e fora d’água ao se aposentar das piscinas. Encontrou as portas fechadas.
E quem perdeu foi o Brasil. Enquanto o nosso país sequer conseguiu se classificar para os Jogos Olímpicos de Paris e só ganhou visibilidade por um “corte” do Youtube, Lara ajudou a revolucionar a modalidade nos Estados Unidos, que chegou a uma inédita e antes improvável medalha de prata no conjunto tendo a brasileira como diretora esportiva e técnica assistente.
“Eu fico realmente triste [pelo nado artístico do Brasil], porque eu gostaria que o esporte estivesse no alto, principalmente porque a gente conseguiu muita coisa de oportunidade com a Rio-2016. Eu fui a primeira a ter que sair do Brasil, porque eu vi que não teria oportunidade para virar gestora e não tinha nome para virar técnica. Eu vejo muitos muitos talentos, em todas as áreas. A gente poderia absorver essas atletas, ou tê-las com mais longevidade, mas elas tiveram que tomar outras decisões e sair do nosso esporte”, lamenta.
Lara estreou pelo Brasil, no adulto, no Mundial de 2005. Por onze anos, até a Rio-2016, foi sempre “titular” do dueto brasileiro, quase sempre com Nayara Figueira, a quem não conseguiu convencer a seguir até a Olimpíada em casa. A companheira chegou a virar treinadora, mas acabou se encontrando no Cirque du Soleil e atualmente vive em Las Vegas.
Substitutas delas na seleção, Maria Clara Lobo, Luisa Borges e Maria Bruno também já abandonaram o esporte e vivem de espetáculos em cruzeiro. “A gente antes falava que a atleta de nado tem que ser mais jovem, mas hoje a gente perecebe que a maturidade e o entendimento corporal são importante. Se chegar aos 30 com saúde, é a melhor idade. Mas falta essa oportunidade de ter longevidade”, analisa Lara.
Quando se aposentou, ela achou que teria portas abertas para trabalhar no Brasil, mas tudo que encontrou foram oportunidades que não a permitiram se desenvolver. Optou por um desafio enorme: ser técnica da Nova Zelândia, um país sem qualquer tradição no nado artístico, que não tinha um “programa” para a modalidade.
“Meu objetivo não era virar técnica, mas era a oportunidade na minha frente. O trabalho na Nova Zelândia me abriu muitas portas e estou nos EUA porque fui corajosa o suficiente para arriscar”, reconhece.
Contratada em 2019 pelos EUA, chegou a um país que não tinha tradição muito maior do que o Brasil, tanto que em Tóquio-2020 o dueto norte-americano ocupou a mesma 13ª colocação que havia sido das brasileiras em Pequim-2008, em Londres-2012 e na Rio-2016.
Como a prata foi construída
A meta era que as norte-americanas se tornassem competitivas a um pódio em Los Angeles-2028, mas o processo foi apressado por um trem que passou o Brasil não embarcou.
Para este ciclo, o nado artístico mudou radicalmente. Se até então as notas eram absolutamente subjetivas, como ainda é no skate ou no surfe, a partir de “impressões”, agora elas são definidas por uma cartilha, que inclui uma nota de partida baseada nos elementos apresentados, como é na ginástica.
Se antes ninguém subia mais do que um degrau por vez (vide a repetição de 13º lugares do Brasil), porque os juízes analisavam bandeira, agora há mais objetividade nos resultados. E os EUA, que sequer se classificaram a Tóquio-2020 no conjunto, conseguiram aproveitar chegando à prata.
O processo, conta Lara, passou por adaptar o programa à cultura do país. O nado “olímpico” perdia muitas atletas para as universidades, diante da oferta de bolsas de estudo. A solução foi acabar com a concorrência mudar USA Artistic Swimming para Los Angeles, para dentro da Universidade da Califórnia (UCLA), perto de outras faculdades que também têm tradição no esporte. As atletas passaram a poder combinar os estudos e os treinos no “programa” da federação norte-americana.
Além disso, uma liderança jovem, composta por Lara, a técnica espanhola Andrea Fuentes e o Adam Andrasko, reconheceu que era preciso mudar a cultura de treinamento.
“A gente tem uma mentalidade muito de aprendizado. O nado tem muito a cultura de que tem que treinar 10h por dia, atleta tem que sofrer, não pode ser feliz, que é muito trabalhoso, é um esporte cruel. Mas a gente adota uma filosofia que estamos dando treino para seres humanos, e para que eles melhorem como pessoaa. A gente sempre prioriza o atleta, entendemos que o atleta tem que estar curtindo o processo. É uma geração nova, e a gente conseguiu muitos resultados. É bom porque as pessoas olham e: ‘Nossa, dá certo dar treino com equilibrio.”
Redação / Folhapress