SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O avião que caiu em Vinhedo (SP) na última sexta-feira (9), deixando 62 mortos, apresentou ao menos duas falhas importantes e ficou alguns períodos sem voar para manutenção nos meses que antecederam a tragédia. Especialistas ouvidos pela reportagem dizem, no entanto, que eventos assim são frequentes na aviação e podem não ter qualquer relação com o acidente.
Em 11 de março, o modelo ATR 72-500 da Voepass apresentou mau funcionamento do sistema hidráulico. Na aviação, esse tipo de sistema é utilizado para transmitir força para acionamento de componentes, como freios, mas não é o único recurso utilizado para este fim.
O registro do Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos) mostra que após decolar no Aeroporto dos Guararapes, em Recife (PE), com destino a Salvador (BA), já durante a fase de voo de cruzeiro, o painel de controle apresentou uma “mensagem de baixo nível de óleo hidráulico”. A tripulação fez os “procedimentos previstos em manual” para tratar o problema, diz o histórico do incidente.
No mesmo voo, ao pousar em Salvador, a aeronave teve um “contato anormal” com a pista. O relatório não entra em detalhes sobre como foi esse contato anormal nem se houve danos à aeronave. Passageiros e tripulantes não se feriram. A ocorrência foi registrada às 21h04 daquele dia.
As informações estão no sistema online do Cenipa e também no site da ASN (Aviation Safety Network), um rede internacional dedicada à segurança da aviação que registra ocorrências envolvendo voos.
Pessoas que trabalham no setor aeronáutico disseram à reportagem que, na ocasião, houve um toque da cauda no solo e que o avião chegou a sair da pista.
O que é possível afirmar oficialmente é que no único acidente envolvendo um ATR 72-500 em março de 2024 na rota de Recife a Salvador, o avião sofreu danos leves, segundo Painel Sipaer, que é o sistema do Cenipa para registro de ocorrências aeronáuticas. O painel também reporta as mesmas falhas no sistema hidráulico e contato anormal com a pista.
Reportagem do Fantástico, da TV Globo, afirmou ao revelar as ocorrências neste domingo (11) que a aeronave permaneceu na capital baiana por 17 dias e, em 28 de março, foi levada ao centro de manutenção da Voepass em Ribeirão Preto, no interior paulista.
Procurada, a empresa não respondeu sobre o caso.
Dados do site FlightAware e outros que compilam dados de fontes abertas sobre voos mostram que a aeronave voltou a voar em 9 de julho e permaneceu operando.
Especialistas dizem que não é possível estabelecer relação entre as falhas e o acidente.
Roberto Peterka, piloto aposentado da Força Aérea Brasileira e perito em investigações sobre acidentes aéreos, explica que um problema com óleo hidráulico não afeta componentes relacionados à principal hipótese para as causas do acidente da Voepass.
Informações meteorológicas do momento da tragédia e um acidente semelhante ocorrido há três décadas nos Estados Unidos levantam suspeitas sobre a formação de gelo nas asas da aeronave. “Não vejo o hidráulico entrando nisso”, diz Peterka sobre o sistema antigelo.
Rafael Bessa, que foi piloto de ATR no Brasil há até cerca de um ano e meio e hoje trabalha no exterior, diz que o sistema antigelo do avião é pneumático. O bordo de ataque -parte frontal da asa- tem um sistema que utiliza o ar residual que passa pelos motores para inflar. Esse sistema quebra o gelo acumulado na asa.
As pontas das asas também contam com um sistema de aquecimento, que também utiliza ar. Não há confirmação, até o momento, de que esses equipamentos antigelo tenham falhado.
Bessa também destaca que o ATR 72-500 é um avião preparado para voar na faixa dos 20 mil pés (cerca de 6.000 metros), onde há formação de nuvens e umidade, tornando o ambiente suscetível à formação de gelo.
O piloto também diz que é difícil estabelecer relação entre um suposto dano estrutural na cauda do avião com o acidente. “Se ao menos o avião tivesse caído sem a cauda, mas ele estava íntegro, apesar da pressão estrutural provavelmente gigantesca que sofreu ao cair daquela maneira”, diz Bessa.
Imagens registradas por moradores de Vinhedo mostram o avião despencando verticalmente, quase sem aceleração horizontal, e girando no próprio eixo. O movimento é conhecido como parafuso chato e indica a perda de sustentação da aeronave.
Bessa também afirma que colisões de cauda são relativamente frequentes e que, após manutenção, os aviões voltam a ser operacionais. “Reparos são feitos em centros de manutenção homologados, pois é um negócio muito sério.”
O Cenipa concluiu nesta segunda (12) a primeira etapa da investigação em campo e manteve a previsão de divulgar em 30 dias o relatório preliminar do caso. Isso não significa que uma resposta definitiva será apresentada neste prazo.
O órgão extraiu 100% dos dados das caixas-pretas da aeronave. Com os primeiras registros, o Cenipa confirmou a ausência de comunicação entre o piloto e a torre de controle. Caberá à investigação descobrir o motivo.
Existem dois gravadores de voo. São as caixas-pretas. Eles têm diferentes funções. O primeiro, identificado pela sigla em inglês CVR (Cockpit Voice Recorder), registra o que foi conversado na cabine. O outro, o FDR (Flight Data Recorder), anota dados do voo, como altitude, meteorologia e velocidade.
CLAYTON CASTELANI E TULIO KRUSE / Folhapress